A tarde ensolarada daquele domingo em Salvador camuflava o estado de conspiração e tensão política que tomou conta do País. Era cinco de abril de 1964, quatro dias após o presidente João Goulart (PTB) ter seu governo encerrado por força do golpe militar. O então prefeito Virgildásio Senna (PTB) voltava de um almoço com amigos, mas logo seria preso no Quartel da Mouraria e deposto do cargo.
"Cheguei em casa, no Campo Grande, e encontrei a rua cercada por militares do Exército com dois canhões e holofotes enormes. Indaguei a uma pessoa o que estava acontecendo. ´Estão prendendo o prefeito´, respondeu. Me dirigi, então, ao Quartel da Mouraria e o general que me deu ordem de prisão disse: 'Você está preso porque somos cristãos'".
A onda de cassações e perda dos diretos políticos iniciada em 1964 - Waldir Pires (PSD) e o deputado federal comunista Fernando Sant´Anna foram cassados e exilados - atingiu lideranças e prefeitos, como Francisco Pinto (Feira de Santana), Pedral Sampaio (Vitória da Conquista), e Herval Soledade (Ilhéus). Os dois primeiros foram eleitos pelo PSD e o último pelo PTB, partidos que enfrentavam a oposição da UDN.
Na Bahia, depois do AI-5, em 1968, a ditadura também cassou os mandatos de 13 parlamentares, entre os quais o médico Luiz Leal (PSD), o jornalista Sebastião Nery (MTR), o jurista Marcelo Duarte (MDB) e o petroleiro Wilton Valença (PSB) - os únicos ainda vivos.
Na madrugada do golpe, o Estado era governada por Lomanto Jr., do mesmo partido de Jango, o PTB, mas que se recusou a assinar o Manifesto dos Governadores do Nordeste, redigido pelo governador de Pernambuco Miguel Arraes (PST), contra o golpe de 1964.
Marcava, assim, a adesão de Lomanto à ditadura que se instalou no Brasil e que durou até 1985 - quando Tancredo Neves (PMDB) disputa eleição indireta, via Colégio Eleitoral, e é eleito o primeiro presidente civil depois do golpe militar.
Conspiração e levante
Em depoimento ao A TARDE, Virgildásio Sena lembrou que, dez dias antes do golpe, Lomanto se reuniu, na Capital baiana, com vários governadores, todos preocupados com o reflexo da crise econômica do governo Jango, sobretudo nos estados mais pobres.
Participaram do encontro alguns dos principais apoiadores e articuladores do golpe, como os governadores de Minas, Magalhães Pinto, e do Rio de Janeiro, Carlos Lacerda, ambos da UDN, e Mauro Borges (PSD) de Goiás.
Magalhães Pinto era candidato à Presidência da República, lembra Virgildásio, e um dos fundadores do Banco Nacional de Minas Gerais.
"Ele soube que a prefeitura de Salvador operava as suas contas no banco e pediu a Pamponet, na época gerente da filial baiana, para marcar um encontro comigo", relata o ex-prefeito.
O petebista recebeu o governador de Minas no apartamento que ocupava no antigo Hotel da Bahia, no Campo Grande. "Magalhães me convidou para ser o coordenador da sua campanha na Bahia. Disse a ele que fiquei honrado com o convite, mas que precisava refletir. Foi então que o indaguei: ´Como está sua relação com Jango?´. E o governador me respondeu:
- Amanhã irei ao Rio de Janeiro conversar com ele. Direi que eu sou a única hipótese de entendimento entre as forças políticas (que se opunham às Reformas de Base) e ele.
No dia 28 de março de 1964, numa reunião em Juiz de Fora (MG) entre Magalhães Pinto e os generais Olímpio Mourão Filho e Odílio Denys o levante militar foi desencadeado e o golpe efetivado na madrugada de 1º de abril.
Para evitar uma guerra civil, João Goulart preferiu se refugiar no Uruguai, onde pediu exílio político.
"Cheguei em casa, no Campo Grande, e encontrei a rua cercada por militares do Exército com dois canhões e holofotes enormes. Indaguei a uma pessoa o que estava acontecendo. ´Estão prendendo o prefeito´, respondeu. Me dirigi, então, ao Quartel da Mouraria e o general que me deu ordem de prisão disse: 'Você está preso porque somos cristãos'".
A onda de cassações e perda dos diretos políticos iniciada em 1964 - Waldir Pires (PSD) e o deputado federal comunista Fernando Sant´Anna foram cassados e exilados - atingiu lideranças e prefeitos, como Francisco Pinto (Feira de Santana), Pedral Sampaio (Vitória da Conquista), e Herval Soledade (Ilhéus). Os dois primeiros foram eleitos pelo PSD e o último pelo PTB, partidos que enfrentavam a oposição da UDN.
Na Bahia, depois do AI-5, em 1968, a ditadura também cassou os mandatos de 13 parlamentares, entre os quais o médico Luiz Leal (PSD), o jornalista Sebastião Nery (MTR), o jurista Marcelo Duarte (MDB) e o petroleiro Wilton Valença (PSB) - os únicos ainda vivos.
Na madrugada do golpe, o Estado era governada por Lomanto Jr., do mesmo partido de Jango, o PTB, mas que se recusou a assinar o Manifesto dos Governadores do Nordeste, redigido pelo governador de Pernambuco Miguel Arraes (PST), contra o golpe de 1964.
Marcava, assim, a adesão de Lomanto à ditadura que se instalou no Brasil e que durou até 1985 - quando Tancredo Neves (PMDB) disputa eleição indireta, via Colégio Eleitoral, e é eleito o primeiro presidente civil depois do golpe militar.
Conspiração e levante
Em depoimento ao A TARDE, Virgildásio Sena lembrou que, dez dias antes do golpe, Lomanto se reuniu, na Capital baiana, com vários governadores, todos preocupados com o reflexo da crise econômica do governo Jango, sobretudo nos estados mais pobres.
Participaram do encontro alguns dos principais apoiadores e articuladores do golpe, como os governadores de Minas, Magalhães Pinto, e do Rio de Janeiro, Carlos Lacerda, ambos da UDN, e Mauro Borges (PSD) de Goiás.
Magalhães Pinto era candidato à Presidência da República, lembra Virgildásio, e um dos fundadores do Banco Nacional de Minas Gerais.
"Ele soube que a prefeitura de Salvador operava as suas contas no banco e pediu a Pamponet, na época gerente da filial baiana, para marcar um encontro comigo", relata o ex-prefeito.
O petebista recebeu o governador de Minas no apartamento que ocupava no antigo Hotel da Bahia, no Campo Grande. "Magalhães me convidou para ser o coordenador da sua campanha na Bahia. Disse a ele que fiquei honrado com o convite, mas que precisava refletir. Foi então que o indaguei: ´Como está sua relação com Jango?´. E o governador me respondeu:
- Amanhã irei ao Rio de Janeiro conversar com ele. Direi que eu sou a única hipótese de entendimento entre as forças políticas (que se opunham às Reformas de Base) e ele.
No dia 28 de março de 1964, numa reunião em Juiz de Fora (MG) entre Magalhães Pinto e os generais Olímpio Mourão Filho e Odílio Denys o levante militar foi desencadeado e o golpe efetivado na madrugada de 1º de abril.
Para evitar uma guerra civil, João Goulart preferiu se refugiar no Uruguai, onde pediu exílio político.

Ditadura na Bahia é tema de reportagens nos 50 anos do golpe
A TARDE inicia uma série de reportagens sobre os 50 anos do golpe que derrubou o presidente João Goulart. A primeira delas recorda os fatos políticos ocorridos em Salvador entre março e abril de 1964.
A TARDE inicia uma série de reportagens sobre os 50 anos do golpe que derrubou o presidente João Goulart. A primeira delas recorda os fatos políticos ocorridos em Salvador entre março e abril de 1964.
Saldos do golpe
Joviniano Neto | Sociólogo e professor da UFBa
“50 anos e ainda dói”. Esta frase, nas costas da camisa de ex-preso político, na Mudança do Garcia, demonstra a permanência do golpe de 1964 com trauma e problema. Implantando, pela força, uma modernização autoritária, no Brasil e na Bahia, o golpe mudou o Brasil – grande parte da realidade atual resulta da sua ação e da reação a ele.
A longa transição da Ditadura, negociada e limitada, mantém problemas recalcados e irresolvidos. A Anistia de 1979 foi incompleta e hoje se luta para reinterpretar a lei para responsabilizar torturadores; a busca pelos desaparecidos políticos continua, a permanência dos traumas da tortura nas vitimas e familiares faz com que funcionem “Clinicas do Testemunho”; a Comissão de Anistia já julgou mais de 60 mil casos de vitimas. O saldo do golpe ultrapassou os Direitos Humanos.
A estrutura econômica, social e política mudou. A aceleração da urbanização colocou a maioria dos brasileiros nas cidades e nas periferias. Os antigos partidos foram extintos e os atuais surgem a partir da situação e oposição a Ditadura. A industrialização prosseguiu e um novo operariado cresceu nas indústrias de bens de consumo durável.
A integração, via televisão e rodovias, mudou modelos de comportamento. Os “casuísmos” eleitorais não impediram a evidência de que a maioria do povo era contra a Ditadura. Ela não deixou boas lembranças e, 50 anos depois, os jovens perguntam em que circunstâncias o golpe aconteceu.
A longa transição da Ditadura, negociada e limitada, mantém problemas recalcados e irresolvidos. A Anistia de 1979 foi incompleta e hoje se luta para reinterpretar a lei para responsabilizar torturadores; a busca pelos desaparecidos políticos continua, a permanência dos traumas da tortura nas vitimas e familiares faz com que funcionem “Clinicas do Testemunho”; a Comissão de Anistia já julgou mais de 60 mil casos de vitimas. O saldo do golpe ultrapassou os Direitos Humanos.
A estrutura econômica, social e política mudou. A aceleração da urbanização colocou a maioria dos brasileiros nas cidades e nas periferias. Os antigos partidos foram extintos e os atuais surgem a partir da situação e oposição a Ditadura. A industrialização prosseguiu e um novo operariado cresceu nas indústrias de bens de consumo durável.
A integração, via televisão e rodovias, mudou modelos de comportamento. Os “casuísmos” eleitorais não impediram a evidência de que a maioria do povo era contra a Ditadura. Ela não deixou boas lembranças e, 50 anos depois, os jovens perguntam em que circunstâncias o golpe aconteceu.
Internacionalmente, estávamos na “Guerra Fria” entre o Mundo “Ocidental”, liderado pelo Estados Unidos e o “Oriental” liderado pela União Soviética. Os conservadores associavam o nacionalismo e o crescimento das mobilizações por mudança social, ao comunismo.
O medo do comunismo avançou com vitória da Revolução Cubana, em 1959, que serviu de estímulo às esquerdas, na luta contra imperialismo e latifúndio. Os Estados Unidos se mobilizaram contra a lei de controle de remessa de lucros; os proprietários contra a Reforma Agrária.
O medo do comunismo avançou com vitória da Revolução Cubana, em 1959, que serviu de estímulo às esquerdas, na luta contra imperialismo e latifúndio. Os Estados Unidos se mobilizaram contra a lei de controle de remessa de lucros; os proprietários contra a Reforma Agrária.
O nacionalismo, as “Reformas de Base”, eram uma possível saída para reativar a economia após o esgotamento do modelo de substituição de importações e tentar atender demandas que cresciam na sociedade, através dos sindicatos, movimentos de camponeses, intelectuais, estudantes, religiosos.
Defensores da ordem contra as mudanças (“comunismo”), forças liberais, conservadores, que conspiravam desde a posse de Jango, em 1961, mobilizaram parte da sociedade e deram um golpe alegando que era para defender a Democracia ameaçada pela corrupção e subversão.
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