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sábado, 22 de março de 2014

Depoimento de coronel mostra perversidade extrema da ditadura, dizem comissões da Verdade em SP



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A Casa da morte, em Petrópolis
Foto: Custódio Coimbra/22-06-2012 / Agência O Globo
A Casa da morte, em Petrópolis Custódio Coimbra/22-06-2012 / Agência O Globo
SÃO PAULO - Revelado com exclusividade pelo GLOBO, o depoimento do coronel reformado Paulo Malhães é uma mostra do nível de perversidade a que chegaram militares e outros agentes da repressão não só ao torturar, mas ao desaparecer com os corpos. Esta é a opinião dos presidentes das comissões da Verdade de São Paulo, acostumados a ouvir trágicos e violentos depoimentos de vítimas e operadores do regime militar (1964 a 1985).
Malhães prestou um depoimento de 20 horas à Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro, ao qual O GLOBO teve acesso. Ele contou como desaparecia com os corpos das vítimas da Casa da Morte, centro de tortura localizado em Petrópolis que deixou apenas uma sobrevivente. Dedos das mãos e arcadas dentárias eram arrancadas para evitar identificação. Os corpos eram enrolados em plásticos e jogados no fundo do rio, não sem antes ter o abdômen aberto para que, inchados, não boiassem. Malhães confessou que também desapareceu com o corpo do deputado Rubens Paiva. O cadáver tinha sindo enterrado no Recreio dos Bandeiras, mas ele retirou o corpo e o lançou ao mar. Agora, deve repetir o que disse à Comissão Nacional da Verdade (CNV) na próxima semana.
- É o depoimento de um militar que dá a dimensão de até onde eles chegaram durante a ditadura. Uma perversidade extrema. Ele oficializa o que se tem investigado desse período. Começa a ficar claro para a população brasileira o que eles eram capazes de fazer. É uma face oculta e perversa que se revela para uma boa parte da população - disse o presidente da Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva, de São Paulo, o deputado Adriano Diogo.
Discurso de Paiva
Diogo afirma que o deputado assassinado pelo regime será homenageado no ato preparado pelas comissões da Verdade no dia 31 de março. O ato acontecerá diante do prédio do Dops (Departamento de Ordem Política e Social), no centro de São Paulo. O discurso histórico de Rubens Paiva foi feito na madrugada do dia 1º de abril á Rádio Nacional, convocando o povo à resistência.
O presidente da Comissão Municipal da Verdade de São Paulo, o vereador Gilberto Natalini, afirmou que a revelação de Malhães comprova a veracidade dos depoimentos dos ex-presos políticos, como ele próprio. Para ele, setores da sociedade têm dificuldade de acreditar na perversidade do regime militar e em atos cruéis que marcaram as prisões e as mortes de brasileiros.
- É uma monstruosidade. Eles sabiam ser cruéis e eram bem treinados não só na tortura como no desaparecimento dos corpos. Esse depoimento legitima tudo o que disseram e o que dizem os ex-presos políticos, eu inclusive, que fui preso e torturado - disse Natalini.
Novo depoimento
Integrante da Comissão Nacional da Verdade, o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias afirmou que a CNV vai convocar o coronel reformado Paulo Malhãe para depor. Na segunda e terça feira, integrantes da CNV vão se reunir com a Comissão da Verdade do Rio para tratar do assunto. A data do depoimento de coronel ainda não está fechada.
- Prefiro esperar o depoimento para falar sobre o que o coronel disse, mas acho tudo isso uma barbaridade.
Para a advogada Rosa Cardoso, que integra a CNV e participará das reuniões no Rio, o depoimento de Malhães e de outros agentes da ditadura “não são revelações devidas apenas às vítimas, mas a toda a sociedade”. Em sua opinião, as reportagens investigativas trazem à tona fatos que precisam ser aprofundados por meio de um “esclarecimento mais definitivo”.
- A crueldade sempre impressiona e emociona. Mas esse depoimento não me surpreende. Eu fui advogada de presos políticos e ouvi relatos que foram feitos nas auditorias dos próprios presos. As histórias são terríveis. E há coisas muito piores e mais escabrosas. Houve um terrorismo de Estado praticado aqui no Brasil.
Rosa afirma que o depoimento de Malhães aponta que a forma como se fazia o desaparecimento dos corpos variava entre os diversos grupos que operavam no regime para essa função específica. O ex-delegado Cláudio Gerra, por exemplo, contou ter incinerado corpos de militantes de esquerda em uma usina de açúcar no interior do Rio.
- Havia uma cadeia de comando, mas não havia uma homogeneidade na conduta dos agentes. Os grupos eram diferentes. O que o depoimento dele nos diz é que nem todas as mortes foram da mesma forma. Então é compatível que tenham jogado corpos ao mar; outros corpos tenham sido jogados no rio e outros corpos incinerados.
A advogada aponta ainda que, ao ter sua identidade revelada, Malhães acabou se protegendo contra eventuais retaliações de outros agentes da repressão.
- A partir do momento em que ele fala a um veículo e expõe o nome dele, fica muito difícil que aconteça alguma violência com ele. Não é possível, acreditável, que acontecesse alguma coisa a ele porque a suspeita recairia sobre as pessoas de quem ele está falando ou sobre a própria corporação, de uma forma mais ampla.

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