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domingo, 23 de março de 2014

50 Anos do Golpe: Sem liberdade, com inspiração

  • Aziz | Editoria de Arte | A TARDE
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Os versos "Mais que nunca é preciso cantar / É preciso cantar e alegrar a cidade" foram entoados pelos então desconhecidos  Gilberto Gil, Caetano Veloso, Tom Zé, Maria Bethânia, Gal Costa e Fernando Lona na inauguração do Teatro Vila Velha, em 1964.
Quatro meses depois do  golpe militar que calaria músicos e ceifaria letras por 20 anos, o grupo de jovens baianos mostrou, por meio da Marcha de Quarta-Feira de Cinzas (Vinicius de Moraes e Carlos Lyra,  1963),  que era necessário seguir com a arte, mesmo quando o Carnaval literal e a liberdade perece.
Foi este sentimento que reverberou nos anos de chumbo na Bahia e fez com que, apesar de muita dor, repressão e censura, a música fosse um terreno de fertilidade nas dimensões erudita e popular. 
Naquele momento inicial, o medo já pairava no ar.  "No teatro (Vila Velha) os funcionários conheciam pessoas da Polícia Federal que estavam presentes, mas não aconteceu nada de repressivo naquele momento", conta Tom Zé.
Energias criativas
O golpe veio num momento em que a cidade vivia  um clima de capital cosmopolita e cultural. "Na ditadura explodiu uma força maravilhosa, uma vez que ela foi represada. Essas represas acabaram gerando poderosas energias de criatividade", afirma  o poeta e compositor José Carlos Capinan.
Uma dessas  explosões foi o Tropicalismo, movimento cultural liderado por Gil, Caetano e Tom Zé,  que também se manifestou na literatura, artes plásticas e teatro. Em menos de dois anos, do disco Tropicalia ou Panis et Circencis (de 1968) ao exílio de Gil e Caetano (em 1969), o movimento musical fez barulho e quebrou paradigmas.
"A música foi enriquecida. Existiam determinações, dogmas em cada setor. O samba só podia ter certos instrumentos. A Tropicália veio esculhambando tudo isso. Botando guitarra no samba, por exemplo, o povo gostou", afirma Roberto Sant'Ana, que produziu o show do Vila Velha.
O músico Tuzé de Abreu também  ressalta os feitos desta geração baiana em um contexto de repressão. "Teve um  lado bom dentro do mau. O golpe deu uma coesão, instigou a geração a produzir".
No tempo em que era necessário submeter à censura 50 músicas para conseguir reunir o número suficiente para um disco, criatividade era imprescindível.
"No princípio mandávamos as músicas  para os departamentos de diferentes estados. Como não havia um padrão que guiasse os censores, a gente conseguia liberação de músicas diferentes em cada lugar. Quando descobriram, isso se tornou  crime de falsidade ideológica com uma daquelas leis baixadas por qualquer general de qualquer posição em qualquer Ato Institucional", conta Tom Zé.
O Ato Institucional Número 5 (AI-5), decretado em dezembro de 1968,  endureceu o regime e cerceou muito mais as liberdades. No mesmo mês, Caetano Veloso e Gilberto Gil foram presos e posteriormente exilados.
"O show de despedida no Castro Alves foi uma maravilha, apesar de  melancólico, porque sabíamos que eles iam deixar o Brasil", diz Rodrigo Velloso, 7 anos mais velho que Caetano.
Juntamente com Bethânia e Gal, Tom Zé acompanhava a prisão dos amigos com apreensão. "A gente nem falava ao telefone sobre o assunto, porque tinha medo. Depois eles partiram e foi duro. Mas ficar aqui também não foi mole. Qualquer um podia ser preso com ou sem motivo", diz o músico, que foi preso duas vezes, pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops)e  pela polícia.
Mostras de som
Não era apenas no circuito profissional que a música era acompanhada de perto pela censura na cidade. No final dos anos 1960 e início dos 1970, as Mostras de Som da Universidade Federal da Bahia movimentavam a cena cultural e também sofriam censura.
"Os censores tinham um grau de paranoia muito grande. Não conheciam a tradição da música brasileira de usar metáforas. Tudo que parecia estranho era visto como contestatório", diz Carlinhos Cor das Águas, que se apresentava na Escola de Arquitetura.
Por precaução, o título da canção composta pelo amigo Luiz Otávio Buriti e gravada por Carlinhos foi mudado de Revolonel  para Cor das Águas. "As pessoas diziam que a palavra inventada significava revolução do coronel. A música tinha uma dimensão triste, mas essa história não tinha nada a ver. A canção de protesto nunca me seduziu. O combate da ditadura também passava por liberdade criativa, coragem e alegria".
Depois da volta de Gil e Caetano, em 1972,  por meio da cultura do desbunde buscava-se liberdade. "Depois de Chuva, Suor e Cerveja, todo ano Caetano mandava uma música e o Carnaval fervilhava na Praça Castro Alves, com o trio elétrico dos Novos Baianos. O desbunde sintetizava a mudança de comportamento e  afirmação das liberdades, homens vestidos de mulher, cabeludos, gays. Isso chocava a ditadura conservadora", diz Carlinhos.
A Tarde

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