Total de visualizações de página

domingo, 30 de março de 2014

Recordando as Copas: 1962 - Chile


Chile - Estádio Nacional
                  COPA DE 1962 
A consagração de Garrincha
          
A sétima Copa, com 32 jogos e 89 gols,  foi realizada no Chile, no ano de 1962, ocasião em que o Brasil sagrou-se bicampeão mundial. O jogo final foi realizado contra a  Tchecoslováquia que perdeu por 3 x 1.
Em maio de 1960, o Chile foi atingido por um grande terremoto e por isso a Copa foi realizada em quatro estádios - Santiago do Chile, Vinha del Mar, Roncagua e Arica -  em vez dos oito planejados.
 Pelé se machucou logo no segundo jogo, um O x O contra a Tchecoslováquia. Coube ao goleador Amarildo e a Garrincha, o craque da Copa, suprirem sua ausência. Na semifinal contra o Chile, Garrincha fez dois gols e comandou a vitória brasileira por 4 a 2. No fim do jogo, porém, acabou expulso. A sorte foi que o juiz não relatou na súmula. Sem provas da suspensão, o ponta foi liberado para jogar a final. 
O destaque era o Estádio Nacional de Santiago, com as montanhas cobertas de neve da Cordilheira dos Andes ao fundo como cenário. O Brasil entrou em campo para defender o título. Depois de encantar o mundo em 1958, Pelé chegou ao Chile já com status de gênio da bola aos 21 anos de idade. 
Uma contusão do craque logo na segunda partida, no entanto, obrigou a Seleção Brasileira a procurar outras alternativas.  E o Brasil tinha pelo menos dois trunfos para levar o bicampeonato: o intempestivo Garrincha e Amarildo, o Possesso, designado para substituir o camisa 10.    
Aos 25 anos, no auge da carreira, Garrincha fez de tudo nos gramados chilenos, naquele que depois seria reconhecido como o maior momento do Anjo de Pernas Tortas. Ele marcou quatro gols no torneio e foi descrito pelo jornal francês L'Equipe como "o ponta-direita mais extraordinário que o futebol já conheceu." 
A base da delegação brasileira era de campeões mundiais em 1958, mas com um novo comandante: o técnico Aymoré Moreira, que assumiu o cargo por causa dos problemas de saúde de Vicente Feola. Irmão de Zezé Moreira, que havia dirigido o Brasil em 1954 na Suíça, Aymoré apostou no esquema tático 4-3-3. No primeiro jogo, vitória de 2 x 0 sobre o México, com gols de Zagallo e Pelé. Mas contra a Tchecoslováquia, Pelé deixou o campo com uma lesão na coxa esquerda.
Diante da Espanha, que contava com o húngaro naturalizado Puskas, o Brasil teve dificuldades: saiu atrás com um gol de Adelardo Rodriguez. Mas foi justamente o substituto de Pelé que salvou a pátria. Amarildo fez dois gols e decretou a vitória por 2 x 1. 
O adversário das quartas de final foi a Inglaterra. O jogo teve direito até a um cachorro que invadiu o campo, mas quem brilhou mesmo foi o endiabrado Garrincha. Ele abriu o placar, cobrou a falta que resultou no segundo gol, de Vavá, e fechou a conta com um petardo de fora da área: 3 x 1 Brasil.
Os anfitriões contavam com 80 mil vozes a favor para levá-los à final, mas o que os chilenos viram na semifinal foi mais um show de Garrincha. Ele marcou dois gols e ajudou o Brasil a golear por 4 x 2. Vavá fez os outros tentos brasileiros no jogo. A seleção chilena teria de se contentar com o terceiro lugar. 
Na final, de novo a Tchecoslováquia. Os comandados de Rudolf Vytlacil haviam empatado com o Brasil na primeira fase, mas na final eram claramente os azarões. Mesmo assim, foram os tchecos que abriram o marcador, com Josef Masopust, meia que receberia o prêmio Bola de Ouro da revista France Football no final daquele ano.
A alegria durou pouco. Dois minutos depois, Amarildo enganou o goleiro Schroif com um chute quase sem ângulo pelo lado esquerdo. No segundo tempo, Amarildo cruzou para Zito arrematar de cabeça, virando o jogo para os brasileiros. Depois da falha de Schroif em uma bola lançada na área, Vavá selou a vitória por 3 x 1. O mundo era verde e amarelo mais uma vez.
Fonte: FIFA
Brasil - Seleção de 1962

REGIME MILITAR: DO GOLPE DE 64 À REDEMOCRATIZAÇÃO EM DEZ ATOS

1) A campanha da Legalidade
Em agosto de 1961, o então vice-presidente João Goulart é alvo de uma primeira tentativa de golpe. 
Ele está na China, em viagem oficial, quando o presidente Jânio Quadros renuncia. 
Ao tentar retornar para assumir o cargo, é impedido pelas Forças Armadas. 
Para reverter a situação, o governador do RS, Leonel Brizola, lidera uma mobilização nacional. 
A campanha tem grande adesão e sai vitoriosa.

2) O comício de 13 de março de 1964
É considerado um dos episódios decisivos para o golpe de 1964. 
Jango reúne milhares de pessoas na Central do Brasil, no Rio, e faz um discurso inflamado à multidão, 
cujo mote são as reformas de base. O presidente assina decretos determinando a estatização de
refinarias particulares e a desapropriação de terras às margens das rodovias para a reforma agrária. 
As medidas alarmam setores conservadores da sociedade

3) A Marcha da Família com Deus pela Liberdade
A reação conservadora ganha força em 19 de março de 1964, nas ruas de São Paulo. 
Milhares de pessoas protestam contra as reformas de base, em repúdio à política de governo 
e à suposta ameaça comunista. O medo de que o Brasil pudesse ter o destino de Cuba, 
em um mundo dividido pela Guerra Fria, une as elites e a classe média na Praça da Sé, 
com apoio da Igreja e da mídia. A marcha dá respaldo à intervenção militar.

4) Os militares tomam o poder
Na madrugada de 31 de março de 1964, o general Olympio Mourão Filho coloca as tropas 
na rua, em Juiz de Fora (MG), e precipita o golpe. Jango deixa a sede do governo, no Rio, 
 vai para Brasília e depois a Porto Alegre. Decide não reagir e segue para o exílio no Uruguai. 
Antes disso, o cargo é dado como vago. Em 15 de abril, o general Humberto de Alencar 
Castello Branco é ungido ao poder.

5) O Ato Institucional e o início das cassações
Em 9 de abril de 1964, a junta militar publica o primeiro Ato Institucional, que nasce sem 
número e sob a justificativa de impedir a comunização do país. O documento permite a
 primeiras cassações e suspensões de mandatos e direitos políticos. Autoriza o presidente 
a decretar estado de sítio e a propor emendas constitucionais. Marca eleições 
presidenciais para 1966 pelo voto direto, que nunca chegam a acontecer.

6) O AI-5 e os Anos de Chumbo
Com o Ato Institucional nº5, de 13 de dezembro de 1968, a ditadura se radicaliza. 
Temendo perder o controle do país, o presidente Arthur da Costa e Silva decreta o AI-5, 
 que autoriza uma série de medidas arbitrárias, como o fechamento dos parlamentos e a 
suspensão, por 10 anos, dos direitos políticos de qualquer cidadão. A censura atinge o ápice. 
É o golpe dentro do golpe. O ato vigora por dez anos

7) Geisel e a "abertura lenta e gradual"
Depois da gestão do general Emílio Garrastazu Médici – marcada pelo auge da repressão 
–, Ernesto Geisel assume a Presidência em março de 1974 e dá início à transição democrática 
“lenta, segura e gradual”. O regime dita o ritmo da abertura, que ainda levaria uma década 
para se concretizar. Em 1977, lança o chamado Pacote de Abril, impondo medidas restritivas. 
Em dezembro de 1978, caduca o AI-5

8) Figueiredo e os momentos finais da ditadura
Sucessor de Ernesto Geisel na presidência, João Batista Figueiredo dá continuidade ao 
processo de distensão. Conduz a reforma política, põe fim ao bipartidarismo e assina, 
em agosto de 1979, a Lei da Anistia. Milhões de pessoas vão às ruas exigir eleições diretas
 para presidente (pelo movimento Diretas Já!), mas a emenda constitucional não passa no Congresso.

9) A morte de Tancredo Neves e a assunção de José Sarney
O PDMB lança o nome de Tancredo Neves às eleições de 1985, com o senador José Sarney, 
vinculado ao regime militar, na vaga de vice. Em 15 de janeiro, o Colégio Eleitoral dá 480 
votos a Tancredo e 180 a Paulo Maluf, candidato governista. Na véspera da posse, marcada 
para 15 de março, Tancredo adoece e, dias depois, morre. Sarney, agora no PMDB, torna-se 
o primeiro presidente civil após 21 anos de ditadura.

10) A Assembleia Nacional Constituinte e a Carta Cidadã
A transição da ditadura para a democracia só estaria completa com uma nova Constituição. 
Cumprindo a promessa de Tancredo Neves, José Sarney convoca a Assembleia Nacional 
 Constituinte, que se inicia em 1º de fevereiro de 1987. Os debates duram 20 meses, com 
grande participação popular. A chamada Carta Cidadã nasce em 1988 assumindo o 
compromisso de instituir o Estado Democrático de Direito.


50 ANOS DO GLOPE DE 1964

Editoras lançam obras com tema da ditadura

  • Reprodução | AE
    O presidente João Goulart (ao centro) na cerimônia de sua posse, realizada em Brasília, em 1961
Não é qualquer efeméride que tem o poder de movimentar o mercado editorial brasileiro com livros capazes de encher  as prateleiras das livrarias  e ainda trazer um material aprofundado, reflexivo e diversificado.
A deposição do presidente João Goulart, evento que deu início à ditadura militar no Brasil e completa 50 anos no próximo dia 31,  provoca tal feito. Desde o final do ano passado, as editoras vêm investindo na temática com títulos inéditos,  relançamentos e projetos especiais.  Às vésperas da data, o volume de publicações ganha mais vulto ainda.
Para o historiador Jorge Ferreira, a quantidade de títulos publicados e seminários realizados mostra que o golpe ainda é um evento que incomoda o País.
"Nos 40 anos do golpe, ocorreram eventos e livros foram lançados, mas não na mesma quantidade que se tem hoje. Parece que quanto mais a sociedade brasileira está longe do golpe no tempo, mais quer avaliá-lo de maneira crítica e valorizar o regime democrático diante da experiência tão dura que foi o período da ditadura", afirma o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Em  1964 - O Golpe que Derrubou um Presidente, Pôs Fim ao Regime Democrático e Instituiu a Ditadura no Brasil, Ferreira defende que o golpe apoiado por setores conservadores da sociedade civil-militar não era inevitável. "As decisões tomadas por diversos atores  alimentaram o radicalismo e resultaram no golpe. Poderia ter acontecido de outra maneira".
Diversos formatos
Os lançamentos apresentam a ditadura e seus personagens por meio de textos com forte rigor acadêmico, biografias e até poemas.
Em A Ditadura Militar e os Golpes Dentro do Golpe 1964 - 1969,  Carlos Chagas parte da história contada por jornais  para apresentar desde a derrubada de João Goulart até os acontecimentos que sucederam o Ato Institucional nº 5 (AI-5). A proximidade do autor dos bastidores dos eventos é um diferencial da narrativa. Além de acompanhar o período como jornalista, ele foi secretário de imprensa do governo Costa e Silva.
"O presidente Costa e Silva disse que não passaria à história como mais um general sul-americano que golpeou as instituições. Ia revogar o AI-5 e reabrir o Congresso. Gostaria que eu fosse o seu porta-voz para ir alimentando a imprensa, aos poucos, com aquelas notícias. Não me arrependo por haver aceitado", diz.
Já A Palavra Contra o Muro, de Pedro Tierra, pseudônimo de  Hamilton Pereira da Silva,  chama a atenção por falar do tema em versos escritos no cárcere de 1973 a 1977.
"Os poemas buscam refletir o cotidiano das prisões políticas no Brasil. Foram escritos porque minha vida não teria sido possivel sem tê-los escrito. Servem para que a gente possa compreender a ditadura não de um ponto de vista estritamente político, mas estético e filosófico da experiência humana", diz.
Entre as novidades do mercado, destaca-se ainda Francisco Julião, biografia de um dos importantes líderes dos sem-terra brasileiros, considerado pela ditadura um incendiário revolucionário.
Até mesmo a aclamada série de Elio Gaspari - A Ditadura Envergonhada, A Ditadura Escancarada, A Ditadura Derrotada e A Ditadura Encurralada (2002 a 2004) - ganhou novo fôlego. A Intrínseca relança edições revistas e ampliadas, versões em e-book e o site www.arquivosdaditadura.com.br, com documentos da pesquisa.

50 anos do golpe: Coronel admite participação em tortura e morte nos porões








O coronel reformado Paulo Malhães em depoimento para a Comissão Nacional da Verdade
Foto: Pedro Kirilos / Agência O Globo
O coronel reformado Paulo Malhães em depoimento para a Comissão Nacional da Verdade Pedro Kirilos / Agência O Globo
RIO - O coronel reformado Paulo Malhães, ex-agente do Centro de Informações do Exército (CIE), assumiu nesta terça-feira, em depoimento à Comissão Nacional da Verdade (CNV), o envolvimento em torturas, mortes e ocultação de corpos de vítimas da repressão. Pela primeira vez em público, ele confirmou a participação na equipe que operou, nos anos 1970, a Casa da Morte, aparelho clandestino do CIE em Petrópolis.
Malhães disse que os corpos eram lançados nos rios, depois da retirada dos dedos e da arcada dentária para impedir a identificação:
— Naquela época não existia DNA, concorda comigo? Então, quando o senhor vai se desfazer de um corpo, quais são as partes que, se acharem o corpo, podem determinar quem é a pessoa? Arcada dentária e digitais, só. Quebravam os dentes e cortavam os dedos. As mãos, não. E aí, se desfazia do corpo.
Como revelou ao GLOBO há duas semanas, ele admitiu ter recebido uma ordem de missão do comando para ocultar o corpo do ex-deputado Rubens Paiva, que estava enterrado no Recreio dos Bandeirantes. O mesmo testemunho foi dado à Comissão Estadual da Verdade, em dois depoimentos gravados recentemente. Porém, desta vez, à Comissão Nacional, o coronel disse que a operação foi executada por outro oficial do CIE e que decidiu assumi-la em solidariedade à família de Paiva, que há 43 anos luta para descobrir o paradeiro do ex-deputado, morto em janeiro de 1971.
— Eu deveria ter feito, sim, mas tive outra missão. Eu disse (à imprensa) que foi eu porque acho uma história muito triste quando uma família leva 38 anos para saber o paradeiro de uma pessoa. Não estou sendo sentimental, não — declarou.
Coronel viu corpo de paiva
Malhães, porém, caiu em contradição ao admitir ter visto o corpo de Paiva desenterrado:
— Existia uma massa morta, enterrada e desenterrada, não identificada. Nem sei se aquela massa era realmente dele. Sabia que tinham enterrado e desenterrado.
A ordem, segundo ele, fora dada pelo então coronel Coelho Neto, que em 1973 era o subcomandante do CIE. Ao GLOBO, disse que o objetivo da missão era “consertar uma cagada” do Destacamento de Operações de Informações do 1º Exército (DOI-I), da Rua Barão de Mesquita, local da morte de Paiva. O corpo, disse, foi inicialmente enterrado pelo DOI no Alto da Boa Vista. Levado mais tarde para o Recreio, teria sido desenterrado e jogado no mar.
Como capitão, Malhães foi um dos mais ativos integrantes da Agência Rio do CIE, nos anos de chumbo do regime militar (1969-1974), participando de algumas das mais importantes operações de combate às organizações da esquerda armada, incluindo a Guerrilha do Araguaia, a Casa da Morre e o Massacre de Medianeira, como ficou conhecida a emboscada que matou, em 1974, o ex-sargento Onofre Pinto e pelo menos mais cinco militantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).
Por problemas no nervo ciático, causados por um tombo, ele entrou no Arquivo Nacional de cadeira de rodas. Exigiu que o depoimento fosse prestado em ambiente fechado, mas acabou concordando com a presença da imprensa. Durante pouco mais de duas horas, respondeu as perguntas formuladas pelos advogados José Carlos Dias e Rosa Cardoso, ambos da comissão. No início, parecia tenso, mas se descontraiu e chegou a rir mais de uma vez.
Malhães disse que, no começo da carreira, chegou a torturar presos políticos. Porém, depois de “sofrer uma evolução”, teria trocado os métodos violentos por tortura psicológica. Uma dos métodos de pressão era dizer ao interrogado que a prisão só seria oficializada, livrando-o dos riscos da clandestinidade, se ele decidisse colaborar.
O coronel disse que não se arrepende do que fez, pois procurou cumprir as missões que o Exército lhe deu.
— Não tinha outra solução. Me dê uma solução.
Ele disse que teme vingança “não em mim, mas nos meus filhos”.
Malhães disse que, desde a publicação de reportagens envolvendo o seu nome nas violências praticadas nos porões do regime, seus cinco filhos e oito netos estariam “sofrendo sanções”.
Inês reconhece torturadores
A audiência pública de ontem, no Arquivo Nacional, começou com a divulgação de relatório parcial sobre o caso na presença de Inês Etienne Romeu, única sobrevivente da Casa da Morte. Ela reconheceu o oficial da reserva Antônio Fernandes Hughes de Carvalho como “Alan”, codinome de um dos torturadores que atuavam no local.
Em depoimento à comissão, Inês reconheceu por foto outros cinco agentes como torturadores (major Rubens Paim Sampaio, capitão Freddie Perdigão Pereira, sargentos Rubens Gomes Carneiro e Ubirajara Ribeiro de Souza e o comissário de polícia Luiz Cláudio Azeredo Vianna).
Apontado ontem pela comissão como um dos responsáveis pela Casa da Morte, o general reformado José Antônio Nogueira Belham vai depor em 1º de abril, às 14h, na Câmara dos Deputados. O militar era o comandante do DOI-I, em janeiro de 1971, quando Paiva foi torturado e morto na unidade. A convocação de Belham foi pedida pela Comissão de Direitos Humanos e Minoria da Câmara, que vê nele o responsável pela ações violentas no local.

Antiga sede do DOI-Codi, na Tijuca

O Destacamento de Operações de Informações (DOI) funcionava no 1º Batalhão de Polícia do Exército, na Rua Barão de Mesquita, na Tijuca. Em vários estados brasileiros foram instalados prédios para abrigar esses órgãos, subordinados ao Centro de Operações de Defesa Interna (CODI). No local, em 1971, que o ex-deputado Rubens Paiva foi torturado e, depois, morto.

Vítimas da Casa da Morte

Não se sabe ao certo quantas pessoas foram mantidas presas na Casa da Morte, em Petrópolis, na Região Serrana do Rio de Janeiro. No entanto, alguns nomes foram confirmados por testemunhas da época. Saiba quem pode ter sido vítima dos horrores da casa, segundo do Ministério Público Federal, e o conheça o relato da única sobrevivente



Única sobrevivente da Casa da Morte relata tortura, estupro e humilhação




  • 
Inês Etienne: últims presa política a ser libertada, ela quer colaborar como puder com a Comissão da Verdade
Foto: Marcos Tristão / O Globo










Inês Etienne: últims presa política a ser libertada, ela quer colaborar como puder com a Comissão da Verdade Marcos Tristão / O Globo 
RIO — Como em todas as batalhas que travou na vida, Inês Etienne Romeu diz estar pronta para mais uma. Aos 69 anos, ela também quer colaborar com a Comissão da Verdade. Inês possui vários títulos dos anos de chumbo, todos difíceis de carregar. Foi, por exemplo, a última presa política a ser libertada no Brasil. A única prisioneira a sair viva da Casa de Petrópolis, depois de 96 dias de tortura.

Só a partir de um depoimento escrito por ela no hospital, em 1971, e entregue à OAB em 1979, quando terminou de cumprir pena, foi possível localizar a casa e identificar parte dos agentes que atuavam no local — entre eles o colaborador dos torturadores, o médico Amílcar Lobo. Também é crédito dela saber que passaram pela Casa da Morte alguns dos militantes desaparecidos na época, entre eles o Carlos Alberto Soares de Freitas, o Beto, que comandou Dilma Rousseff nos tempos da VAR-Palmares.
— Quero colaborar como puder — disse, com esforço, ao saber da reportagem sobre a Casa de Petrópolis.
Foi ela que cedeu ao GLOBO uma planta da casa, desenhada por um arquiteto a partir de suas informações. Aos 69 anos, Inês se lembra de tudo e, aos poucos, volta a falar. Vítima em 2003 de um misterioso acidente em sua residência, ela teve traumatismo cranioencefálico, com afundamento de crânio, e por pouco não perdeu a vida. Mas está se recuperando. A voz custa a sair, mas está mais firme a cada dia movida por uma força interior cuja origem só ela sabe. Os documentos guardados em seu arquivo pessoal agora estão sendo intensamente lidos e relidos todos os dias.
Militante da VAR-Palmares, Inês integrou o grupo que participou do sequestro do embaixador da Suíça, Giovanni Bucher, mas em 5 de maio de 1971 sua história como guerrilheira teve um fim drástico. Capturada por uma equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury, ela começou o calvário em São Paulo, mas foi trazida ao Rio no dia seguinte.
Durante os 96 dias em que esteve presa, Inês foi torturada, humilhada e estuprada: “Eu estava arrasada, doente, reduzida a um verme e obedecia como um autômato”, contaria no depoimento entregue à OAB, admitindo também três tentativas de suicídio durante o cárcere. Ela só foi libertada quando fingiu concordar com dois de seus algozes para trabalhar como infiltrada para o Centro de Informações do Exército. No depoimento dado após a sua libertação, Inês não relatou o coronel Paulo Malhães entre seus torturadores. Ele disse que nunca a viu na casa.
— Não vi a Inês na casa, ela não me conheceu. Agora, a Inês foi libertada sem o cara avaliar se ela estava realmente virada — criticou Malhães, que se recusou a dizer quem era o agente responsável por “virar” Inês.
Inês confirma o modus operandi detalhado por Malhães para quem se transformava RX. Ela relatou que foi obrigada a gravar um vídeo no dia 4 de agosto, no qual foi filmada contando dinheiro e lendo um contrato de trabalho com a repressão. “Neste contrato constava uma cláusula segundo a qual, se eu não cumprisse o combinado, minha irmã, Lúcia Etienne Romeu, seria presa, pois eu mesma, sua própria irmã a acusava de estar ligada a grupos subversivos”, relatou Inês. Libertada, doente, foi levada pela família a um hospital, onde sua prisão foi oficializada. Condenada à prisão perpétua, ficou presa até 1979, quando tornou público todo seu martírio. Ela recebeu o Prêmio Direitos Humanos de 2009, na categoria Direito à Memória e à Verdade.


Fonte: O Globo

Duro golpe de 1964 para frágil cena baiana

  • Aziz | Editoria de Arte | A TARDE
    ..
A sombra de um regime que estabeleceu restrições à livre expressão afetou, de diversas formas e em diferentes níveis, toda a produção artística na Bahia. No caso do cinema, entretanto, é preciso esclarecer que alguns acontecimentos anteriores ao golpe militar de 1964 já haviam desacelerado a produção.
O primeiro filme baiano de longa-metragem,Redenção (foto), do cineasta Roberto Pires, estreou em 1959 e se tornou o marco inicial do Ciclo Baiano, uma das matrizes do movimento nacional que ficaria conhecido como Cinema Novo.
Neste ciclo foram realizados filmes como A Grande Feira (1961) e Tocaia no Asfalto(1962), ambos de Roberto Pires, além de Barravento, a estreia de Glauber Rocha em longa-metragem, lançada em 1962, quando ele já havia trocado Salvador pelo Rio de Janeiro.
A pesquisadora Maria do Socorro Carvalho aponta o ano de 1962 como o momento final do Ciclo Baiano. Em 1963, Roberto Pires também se muda para o Rio e a movimentação local esfria.
O professor e crítico de cinema André Setaro considera, nas suas palavras, "o canto do cisne do Ciclo Baiano" o filme O Grito da Terra, do engajado diretor Olney São Paulo, lançado em 1964, ano do Golpe.


O Grito da Terra foi o "canto do cisne do Ciclo Baiano", segundo crítico e professor André Setaro (Foto: Divulgação)
Autor de dois filmes recentes inspirados pela obra e pela trajetória de Olney São Paulo, o cineasta Henrique Dantas trabalha atualmente no projeto Galeria F, sobre os presos políticos baianos. Em suas pesquisas, lida com a ausência de imagens em movimento.
"Simplesmente não encontro nada", diz Dantas, que prossegue: "Há muitas fotografias, mas não se tem nada em película, minha esperança é achar algo, quem sabe, em acervos domésticos", diz.
Vazio
O final dos anos 1960 trouxe a decretação do Ato Institucional número 5 (AI-5), em 1968, e um sentimento de desmobilização na produção local, que foi quebrada apenas por iniciativas pessoais, obras alternativas.
Meteorango Kid (1969), de André Luiz Oliveira, sobre um jovem em busca de seu lugar no mundo, eCaveirinha My Friend (1970), uma caótica festa-filme de Álvaro Guimarães, inauguraram o "underground baiano", marcado pelo niilismo. O Anjo Negro (1972), de José Umberto, fecha a trinca de longas desta vanguarda.
Na luta contra a censura, a Jornada de Cinema da Bahia, criada em 1972, pelo cineasta Guido Araújo, serviu como espaço de encontro, que resultou na fundação da Associação Brasileira de Documentaristas (ABD).
Guido Araújo lembra que, graças ao apoio de instituições como o Instituto Cultural Brasil-Alemanha (Icba), que gozava de certa independência por ser um espaço com bandeira estrangeira, foi possível exibir filmes brasileiros sem a severa vigilância dos censores.
Superoitistas
A geração de cineastas baianos seguinte surgiu a partir das Jornadas, os realizadores "superoitistas", assim chamados por filmarem com uma película doméstica, artesanal, o Super-8, criando obras livres e rebeldes. Pola Ribeiro, Edgard Navarro, Fernando Belens e José Araripe Jr. estão entre os realizadores surgidos deste exercício.
"Pudemos fazer nossa voz chegar mais adiante com poucos recursos", diz Pola Ribeiro. "Um filme feito por quatro garotos, como A Conversa (1975), foi notícia em jornal por ter sido apreendido pela polícia, então a ditadura mostrava que era tão forte, mas também tão frágil, capaz de ser contestada", complementa Ribeiro.
O cineasta finaliza: "Descobrimos que nossas brincadeiras ameaçavam a côrte, aliás, somente por estarmos nos encontrando, nos reunindo em grupo quando isto era proibido, já praticávamos um ato político". A abertura, ainda segundo Pola Ribeiro, acabou gerando um "desejo de profissionalização", que significou o fim da febre superoitista.
Com O Superoutro, lançado já em 1989 e filmado em condições semiprofissionais (película 16mm), Edgard Navarro faz uma espécie de manifesto-síntese do espírito superoitista e de sua própria obra.
O filme, um premiado média-metragem, faz sucesso nacional quando a Bahia já não produzia longas-metragens há seis anos, desde O Mágico e o Delegado (1983), de Fernando Coni Campos.
Passaram-se duas décadas e somente em 2001, o filme 3 Histórias da Bahia, de José Araripe Jr., Edyala Yglesias e Sérgio Machado, quebraria o amargo jejum de 18 anos sem longas baianos. Era a tardia entrada na "Retomada do Cinema Brasileiro", que começou em 1994.
Não é absurdo pensar que, mesmo indiretamente, devido à ausência de políticas públicas para o audiovisual, a ditadura e os governantes civis baianos que a apoiaram contribuíram, de algum modo, para tanta imobilidade e silêncio.

50 Anos do Golpe: Sem liberdade, com inspiração

  • Aziz | Editoria de Arte | A TARDE
    ..
Os versos "Mais que nunca é preciso cantar / É preciso cantar e alegrar a cidade" foram entoados pelos então desconhecidos  Gilberto Gil, Caetano Veloso, Tom Zé, Maria Bethânia, Gal Costa e Fernando Lona na inauguração do Teatro Vila Velha, em 1964.
Quatro meses depois do  golpe militar que calaria músicos e ceifaria letras por 20 anos, o grupo de jovens baianos mostrou, por meio da Marcha de Quarta-Feira de Cinzas (Vinicius de Moraes e Carlos Lyra,  1963),  que era necessário seguir com a arte, mesmo quando o Carnaval literal e a liberdade perece.
Foi este sentimento que reverberou nos anos de chumbo na Bahia e fez com que, apesar de muita dor, repressão e censura, a música fosse um terreno de fertilidade nas dimensões erudita e popular. 
Naquele momento inicial, o medo já pairava no ar.  "No teatro (Vila Velha) os funcionários conheciam pessoas da Polícia Federal que estavam presentes, mas não aconteceu nada de repressivo naquele momento", conta Tom Zé.
Energias criativas
O golpe veio num momento em que a cidade vivia  um clima de capital cosmopolita e cultural. "Na ditadura explodiu uma força maravilhosa, uma vez que ela foi represada. Essas represas acabaram gerando poderosas energias de criatividade", afirma  o poeta e compositor José Carlos Capinan.
Uma dessas  explosões foi o Tropicalismo, movimento cultural liderado por Gil, Caetano e Tom Zé,  que também se manifestou na literatura, artes plásticas e teatro. Em menos de dois anos, do disco Tropicalia ou Panis et Circencis (de 1968) ao exílio de Gil e Caetano (em 1969), o movimento musical fez barulho e quebrou paradigmas.
"A música foi enriquecida. Existiam determinações, dogmas em cada setor. O samba só podia ter certos instrumentos. A Tropicália veio esculhambando tudo isso. Botando guitarra no samba, por exemplo, o povo gostou", afirma Roberto Sant'Ana, que produziu o show do Vila Velha.
O músico Tuzé de Abreu também  ressalta os feitos desta geração baiana em um contexto de repressão. "Teve um  lado bom dentro do mau. O golpe deu uma coesão, instigou a geração a produzir".
No tempo em que era necessário submeter à censura 50 músicas para conseguir reunir o número suficiente para um disco, criatividade era imprescindível.
"No princípio mandávamos as músicas  para os departamentos de diferentes estados. Como não havia um padrão que guiasse os censores, a gente conseguia liberação de músicas diferentes em cada lugar. Quando descobriram, isso se tornou  crime de falsidade ideológica com uma daquelas leis baixadas por qualquer general de qualquer posição em qualquer Ato Institucional", conta Tom Zé.
O Ato Institucional Número 5 (AI-5), decretado em dezembro de 1968,  endureceu o regime e cerceou muito mais as liberdades. No mesmo mês, Caetano Veloso e Gilberto Gil foram presos e posteriormente exilados.
"O show de despedida no Castro Alves foi uma maravilha, apesar de  melancólico, porque sabíamos que eles iam deixar o Brasil", diz Rodrigo Velloso, 7 anos mais velho que Caetano.
Juntamente com Bethânia e Gal, Tom Zé acompanhava a prisão dos amigos com apreensão. "A gente nem falava ao telefone sobre o assunto, porque tinha medo. Depois eles partiram e foi duro. Mas ficar aqui também não foi mole. Qualquer um podia ser preso com ou sem motivo", diz o músico, que foi preso duas vezes, pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops)e  pela polícia.
Mostras de som
Não era apenas no circuito profissional que a música era acompanhada de perto pela censura na cidade. No final dos anos 1960 e início dos 1970, as Mostras de Som da Universidade Federal da Bahia movimentavam a cena cultural e também sofriam censura.
"Os censores tinham um grau de paranoia muito grande. Não conheciam a tradição da música brasileira de usar metáforas. Tudo que parecia estranho era visto como contestatório", diz Carlinhos Cor das Águas, que se apresentava na Escola de Arquitetura.
Por precaução, o título da canção composta pelo amigo Luiz Otávio Buriti e gravada por Carlinhos foi mudado de Revolonel  para Cor das Águas. "As pessoas diziam que a palavra inventada significava revolução do coronel. A música tinha uma dimensão triste, mas essa história não tinha nada a ver. A canção de protesto nunca me seduziu. O combate da ditadura também passava por liberdade criativa, coragem e alegria".
Depois da volta de Gil e Caetano, em 1972,  por meio da cultura do desbunde buscava-se liberdade. "Depois de Chuva, Suor e Cerveja, todo ano Caetano mandava uma música e o Carnaval fervilhava na Praça Castro Alves, com o trio elétrico dos Novos Baianos. O desbunde sintetizava a mudança de comportamento e  afirmação das liberdades, homens vestidos de mulher, cabeludos, gays. Isso chocava a ditadura conservadora", diz Carlinhos.
A Tarde

50 anos do golpe: "Silêncio" nas letras

  • Aziz | Editoria de Arte | A TARDE
    .
Era um tempo de janelas e portas abertas, conversas que se estendiam até o dia seguinte, riso solto. Até que as janelas se fecharam, uma após a outra, e o silêncio foi correndo entre as ruas até deixar tudo mudo.

Foi assim o ano de 1964 na literatura baiana: silencioso. Com o golpe militar, muitos escritores baianos optaram por viver como os poetas românticos: quietos em seus quartos e salas, escrevendo novos textos.

"O que estava em curso na literatura baiana antes do golpe era um processo de transformação. Havia, por exemplo, um movimento de poesia que começava a se organizar forte em Feira de Santana", conta Valdomiro Santana, autor do livro Literatura Baiana 1930-1980.

Já consagrado internacionalmente, Jorge Amado foi um dos que preferiram uma postura mais recolhida na Casa do Rio Vermelho. Nos anos anteriores ao golpe, sua militância comunista tinha diminuído, mas, mesmo assim, ele era vigiado.

Foto: Zélia Gattai | Divulgação

"Ter os livros de Jorge Amado em casa era perigoso, eram livros que se guardavam em local de pouca visibilidade, caso ocorresse alguma batida policial", conta a escritora e jornalista Josélia Aguiar, biógrafa do escritor.

Um dos integrantes da Geração MAPA, que movimentou a cena cultural baiana na década de 1950, o poeta Florisvaldo Mattos soube do golpe enquanto passava por uma estrada de ferro em Sevilha, na Espanha. A notícia estava estampada na primeira página do jornal El Pueblo, e era gritada a plenos pulmões pelo menino jornaleiro.

Quando voltou à sua terra, em setembro de 1964, encontrou tudo diferente. Além das prisões e das censuras, havia o medo. "A gente estava num processo criativo, começando a publicar livros, e veio o golpe. Espalharam o medo, cada um passou a querer se preservar", diz.

Segundo ele, a poesia foi menos afetada pela censura naquele período, especialmente quando não continha abordagens políticas. "Lancei meu primeiro livro em 1965 e nada aconteceu. Mas era por isso, era poesia, não tinha nada de político, aí eles deixavam passar".

Sem alarde

No dia em que o golpe militar foi anunciado, a poeta Myriam Fraga estava voltando a Salvador pela estrada. Estava enfrentando uma gravidez difícil, e por isso andava distante do meio literário. Ouviu no rádio a notícia do golpe.

"Acho que a gente resistiu muito bem, mas nunca mais foi a mesma coisa. Não tinha mais aquela coisa que a gente tinha de estar sempre junto conversando, tendo ideias, nunca mais".

Mesmo assim, em 1964, Myriam publicou o livro Marias. "Calasans Neto fez o livro e distribuiu entre os amigos. Foi assim, não teve lançamento nem nada".

O "silêncio" também foi sentido pelo poeta e compositor José Carlos Capinan, que decidiu deixar a Bahia um mês após o golpe. "Havia uma produção literária aqui, com autores consagrados e emergentes. Com o golpe, ficou tudo quieto".

Para ele, uma opção para quem desejava publicar eram os suplementos literários dos jornais. "Meu primeiro poema publicado em jornal foi nessa época, no Diário de Notícias", diz.

Viés social

Antonio Brasileiro tinha 19 anos em 1964. Era aluno do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia, e neste ano publicou seu primeiro poema na Revista da Bahia.
Com o golpe, Brasileiro continuou a escrever seus poemas e, em 1965, lançou seu primeiro livro, junto com mais dois amigos: Arupemba. Nele, estavam poemas como Estudo 11 (leia ao lado) e Os Instrumentos e Ofícios.


A Casa da morte, em Petrópolis
Foto: Custódio Coimbra/22-06-2012 / Agência O GloboDepoimento de coronel mostra perversidade extrema da ditadura, dizem comissões da Verdade em SP



SÃO PAULO - Revelado com exclusividade pelo GLOBO, o depoimento do coronel reformado Paulo Malhães é uma mostra do nível de perversidade a que chegaram militares e outros agentes da repressão não só ao torturar, mas ao desaparecer com os corpos. Esta é a opinião dos presidentes das comissões da Verdade de São Paulo, acostumados a ouvir trágicos e violentos depoimentos de vítimas e operadores do regime militar (1964 a 1985).
Malhães prestou um depoimento de 20 horas à Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro, ao qual O GLOBO teve acesso. Ele contou como desaparecia com os corpos das vítimas da Casa da Morte, centro de tortura localizado em Petrópolis que deixou apenas uma sobrevivente. Dedos das mãos e arcadas dentárias eram arrancadas para evitar identificação. Os corpos eram enrolados em plásticos e jogados no fundo do rio, não sem antes ter o abdômen aberto para que, inchados, não boiassem. Malhães confessou que também desapareceu com o corpo do deputado Rubens Paiva. O cadáver tinha sindo enterrado no Recreio dos Bandeiras, mas ele retirou o corpo e o lançou ao mar. Agora, deve repetir o que disse à Comissão Nacional da Verdade (CNV) na próxima semana.
- É o depoimento de um militar que dá a dimensão de até onde eles chegaram durante a ditadura. Uma perversidade extrema. Ele oficializa o que se tem investigado desse período. Começa a ficar claro para a população brasileira o que eles eram capazes de fazer. É uma face oculta e perversa que se revela para uma boa parte da população - disse o presidente da Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva, de São Paulo, o deputado Adriano Diogo.
Discurso de Paiva
Diogo afirma que o deputado assassinado pelo regime será homenageado no ato preparado pelas comissões da Verdade no dia 31 de março. O ato acontecerá diante do prédio do Dops (Departamento de Ordem Política e Social), no centro de São Paulo. O discurso histórico de Rubens Paiva foi feito na madrugada do dia 1º de abril á Rádio Nacional, convocando o povo à resistência.
O presidente da Comissão Municipal da Verdade de São Paulo, o vereador Gilberto Natalini, afirmou que a revelação de Malhães comprova a veracidade dos depoimentos dos ex-presos políticos, como ele próprio. Para ele, setores da sociedade têm dificuldade de acreditar na perversidade do regime militar e em atos cruéis que marcaram as prisões e as mortes de brasileiros.
- É uma monstruosidade. Eles sabiam ser cruéis e eram bem treinados não só na tortura como no desaparecimento dos corpos. Esse depoimento legitima tudo o que disseram e o que dizem os ex-presos políticos, eu inclusive, que fui preso e torturado - disse Natalini.
Novo depoimento
Integrante da Comissão Nacional da Verdade, o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias afirmou que a CNV vai convocar o coronel reformado Paulo Malhãe para depor. Na segunda e terça feira, integrantes da CNV vão se reunir com a Comissão da Verdade do Rio para tratar do assunto. A data do depoimento de coronel ainda não está fechada.
- Prefiro esperar o depoimento para falar sobre o que o coronel disse, mas acho tudo isso uma barbaridade.
Para a advogada Rosa Cardoso, que integra a CNV e participará das reuniões no Rio, o depoimento de Malhães e de outros agentes da ditadura “não são revelações devidas apenas às vítimas, mas a toda a sociedade”. Em sua opinião, as reportagens investigativas trazem à tona fatos que precisam ser aprofundados por meio de um “esclarecimento mais definitivo”.
- A crueldade sempre impressiona e emociona. Mas esse depoimento não me surpreende. Eu fui advogada de presos políticos e ouvi relatos que foram feitos nas auditorias dos próprios presos. As histórias são terríveis. E há coisas muito piores e mais escabrosas. Houve um terrorismo de Estado praticado aqui no Brasil.
Rosa afirma que o depoimento de Malhães aponta que a forma como se fazia o desaparecimento dos corpos variava entre os diversos grupos que operavam no regime para essa função específica. O ex-delegado Cláudio Gerra, por exemplo, contou ter incinerado corpos de militantes de esquerda em uma usina de açúcar no interior do Rio.
- Havia uma cadeia de comando, mas não havia uma homogeneidade na conduta dos agentes. Os grupos eram diferentes. O que o depoimento dele nos diz é que nem todas as mortes foram da mesma forma. Então é compatível que tenham jogado corpos ao mar; outros corpos tenham sido jogados no rio e outros corpos incinerados.
A advogada aponta ainda que, ao ter sua identidade revelada, Malhães acabou se protegendo contra eventuais retaliações de outros agentes da repressão.
- A partir do momento em que ele fala a um veículo e expõe o nome dele, fica muito difícil que aconteça alguma violência com ele. Não é possível, acreditável, que acontecesse alguma coisa a ele porque a suspeita recairia sobre as pessoas de quem ele está falando ou sobre a própria corporação, de uma forma mais ampla.

Editoras lançam obras com tema da ditadura

  • Reprodução | AE
    O presidente João Goulart (ao centro) na cerimônia de sua posse, realizada em Brasília, em 1961
Não é qualquer efeméride que tem o poder de movimentar o mercado editorial brasileiro com livros capazes de encher  as prateleiras das livrarias  e ainda trazer um material aprofundado, reflexivo e diversificado.
A deposição do presidente João Goulart, evento que deu início à ditadura militar no Brasil e completa 50 anos no próximo dia 31,  provoca tal feito. Desde o final do ano passado, as editoras vêm investindo na temática com títulos inéditos,  relançamentos e projetos especiais.  Às vésperas da data, o volume de publicações ganha mais vulto ainda.
Para o historiador Jorge Ferreira, a quantidade de títulos publicados e seminários realizados mostra que o golpe ainda é um evento que incomoda o País.
"Nos 40 anos do golpe, ocorreram eventos e livros foram lançados, mas não na mesma quantidade que se tem hoje. Parece que quanto mais a sociedade brasileira está longe do golpe no tempo, mais quer avaliá-lo de maneira crítica e valorizar o regime democrático diante da experiência tão dura que foi o período da ditadura", afirma o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Em  1964 - O Golpe que Derrubou um Presidente, Pôs Fim ao Regime Democrático e Instituiu a Ditadura no Brasil, Ferreira defende que o golpe apoiado por setores conservadores da sociedade civil-militar não era inevitável. "As decisões tomadas por diversos atores  alimentaram o radicalismo e resultaram no golpe. Poderia ter acontecido de outra maneira".
Diversos formatos
Os lançamentos apresentam a ditadura e seus personagens por meio de textos com forte rigor acadêmico, biografias e até poemas.
Em A Ditadura Militar e os Golpes Dentro do Golpe 1964 - 1969,  Carlos Chagas parte da história contada por jornais  para apresentar desde a derrubada de João Goulart até os acontecimentos que sucederam o Ato Institucional nº 5 (AI-5). A proximidade do autor dos bastidores dos eventos é um diferencial da narrativa. Além de acompanhar o período como jornalista, ele foi secretário de imprensa do governo Costa e Silva.
"O presidente Costa e Silva disse que não passaria à história como mais um general sul-americano que golpeou as instituições. Ia revogar o AI-5 e reabrir o Congresso. Gostaria que eu fosse o seu porta-voz para ir alimentando a imprensa, aos poucos, com aquelas notícias. Não me arrependo por haver aceitado", diz.
Já A Palavra Contra o Muro, de Pedro Tierra, pseudônimo de  Hamilton Pereira da Silva,  chama a atenção por falar do tema em versos escritos no cárcere de 1973 a 1977.
"Os poemas buscam refletir o cotidiano das prisões políticas no Brasil. Foram escritos porque minha vida não teria sido possivel sem tê-los escrito. Servem para que a gente possa compreender a ditadura não de um ponto de vista estritamente político, mas estético e filosófico da experiência humana", diz.
Entre as novidades do mercado, destaca-se ainda Francisco Julião, biografia de um dos importantes líderes dos sem-terra brasileiros, considerado pela ditadura um incendiário revolucionário.
Até mesmo a aclamada série de Elio Gaspari - A Ditadura Envergonhada, A Ditadura Escancarada, A Ditadura Derrotada e A Ditadura Encurralada (2002 a 2004) - ganhou novo fôlego. A Intrínseca relança edições revistas e ampliadas, versões em e-book e o site www.arquivosdaditadura.com.br, com documentos da pesquisa.

Cerca de 150 pessoas participam do Ocupa Dops no centro do Rio



Movimento Ocupa Dops começou com aula pública em frente à antiga sede do Departamento de Ordem Política e Social
Foto: Fabio Rossi / Agência O Globo
Movimento Ocupa Dops começou com aula pública em frente à antiga sede do Departamento de Ordem Política e Social Fabio Rossi / Agência O Globo
RIO - Com a presença de cerca de 150 pessoas, e pelo menos 50 policiais que acompanharam de perto o evento, o primeiro dia da ocupação cultural do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) reuniu grupos políticos e sociais diversos, entre membros da UNE, do Partido Comunista Revolucionário (PCR) e do Ocupa Dops, que organizou o evento.
O ato começou no fim da tarde desta sexta-feira com uma aula pública da professora de História Luciana Lombardo, da PUC-Rio. Ela lembrou a história de violência da Polícia Civil do Rio de Janeiro e a ocupação do prédio com propósito de repressões a diversos grupos sociais.
- Eles dizem que a violência só ocorreu sob o regime militar, mas a gente sabe que há uma continuidade dessa violência. A polícia do Rio é uma polícia que mata. A história da polícia é uma história de combate às lutas sociais.
O advogado Antonio Modesto da Silveira, sequestrado pelo DOI-Codi, considerado o jurista que mais defendeu presos políticos, disse que Hitler "morreria de inveja" da violência utilizada no Brasil contra centenas de pessoas:
- Fui sequestrado, porque aquilo não era prisão, do mesmo modo que os grandes advogados Sobral Pinto e Heleno Fragoso. Hitler morreria de inveja ao conhecer tudo que se fazia no Brasil e também no Chile e na Argentina. As lágrimas correm até hoje, duram já 50 anos e estou seguro de que durará ainda muito mais.
Apoiando a realização do evento, João Ricardo Dornelles, membro da Comissão da Verdade do Rio (CEV-Rio), reforçou o interesse de que o esqueleto do Dops se transforme em um memorial da resistência, a exemplo do Dops de São Paulo. O prédio pertence à Policia Civil.
- Foi um espaço que teve papel muito forte de repressão não só militar, mas aos movimentos sociais. Hoje, temos uma disputa política com a policia civil. Durante mais de um século esse foi um local de repressão, mas também de resistência. O que queremos é ocupar no sentido de rememorar, mas dar um sentido novo para esse prédio - explicou.
Ao fim da fala de militantes, a companhia de dança e teatro de rua Mystérios e Novidades fez uma performance em frente às escadas do prédio do Dops. Em seguida, a ex-presa política Ana Bursztyn-Miranda, também do Ocupa Dops, leu o manifesto do grupo, que exige que o local vire um centro de memória sem qualquer ligação com a polícia. A ocupação simbólica continua ao longo do dia deste sábado.


Casa da morte em Petrópolis
Foto: Custódio Coimbra / O Globo
Casa da morte em Petrópolis Custódio Coimbra / O Globo

Vítimas da Casa da Morte foram jogadas dentro de rio, diz coronel

RIO — Um rio da Região Serrana, nas proximidades do distrito de Itaipava, foi o destino dos corpos das vítimas da Casa da Morte de Petrópolis. E nada foi feito sem o conhecimento prévio dos generais do regime militar. Em 20 horas de depoimento à Comissão Estadual da Verdade, o coronel reformado Paulo Malhães, de 76 anos, um dos mais atuantes agentes do Centro de Informações do Exército (CIE) nos anos de chumbo, finalmente deu as respostas perseguidas há décadas. Ele também confirmou ter desenterrado e sumido com o corpo do ex-deputado Rubens Paiva, morto sob torturas em janeiro de 1971, e explicou como a repressão fazia para apagar os vestígios de suas vítimas.
Um dos trechos marcantes do depoimento é o método de desaparecimento. Para evitar o risco de identificação, as arcadas dentárias e os dedos das mãos eram retirados. Em seguida, o corpo era embalado em saco impermeável e jogado no rio, com pedras de peso calculado para evitar que descesse ao fundo ou flutuasse. Além disso, o ventre da vítima era cortado para impedir que o corpo inchasse e emergisse. Assim, seguiria o curso do rio até desaparecer. Sobre Rubens Paiva, ao GLOBO, Malhães disse que lançou o corpo no mar. À Comissão da Verdade do Rio (CEV), contou que o destino do ex-deputado foi o mesmo rio da Região Serrana onde foram jogados outros desaparecidos políticos:
— É inaceitável que o Exército finja que nada acontece e não se pronuncie. Ele tem obrigação legal e moral de vir a público, confirmar ou desmentir os relatos dele (Malhães) e de outros agentes. Sugiro até ao comandante do Exército que compareça à audiência pública sobre a Casa da Morte, convocada pela Comissão Nacional da Verdade, e esclareça em definitivo o que o povo quer saber — disse Wadih Damous, presidente da CEV.
No domingo, O GLOBO publicou, sob o compromisso de sigilo de fonte, o relato de Malhães sobre a operação que desenterrou o corpo de Rubens Paiva no Recreio dos Bandeirantes e o lançou ao mar, em 1973. Porém, o próprio coronel decidiu assumir publicamente o seu papel no episódio. Ele disse que o corpo foi enterrado inicialmente no Alto de Boa Vista e, posteriormente, levado para o Recreio, de onde o retirou, por ordens do gabinete do ministro do Exército (na época, Orlando Geisel), porque havia risco de vazamento da sua localização dentro da própria repressão.
Veja as principais revelações do depoimento de Malhães sobre a Casa da Morte:
Inês Etienne, a sobrevivente
“Foi decretada a morte dela, mas com fins políticos. Tinha que ser um membro do gabinete do ministro do Exército a fazer, matá-la, para eles — os próprios caras que tiveram a ideia —, tornarem isto público, o ministro cair e subir outro general de Exército que levaria um time todo grande a ser general.”
Casa da Morte de Petrópolis
“E nós não tínhamos só um (aparelho clandestino) em Petrópolis. Nós tínhamos outros mais desviados. Nós queríamos um lugar que fosse tranquilo, que fosse calmo. E a casa de Petrópolis era o ideal. O CIE (Centro de Informações do Exército) tinha controle daquilo. Sabia o que se passava por ali.”
Outro aparelho em Petrópolis
“O aparelho (Casa da Morte) foi transferido. Foi para um (local) que era mais afastado, em Itaipava, uma casa até bonita, na beira do rio. Deve existir. Não funcionou muito tempo não, aí já estava esse negócio de vai, não vai, fica e não fica, o melhor é apagar isso do mapa. Era alugada por algum de nós, mas com outro nome.”
Desaparecimentos de corpos
“Jamais se enterra um cara que você matou. Se matar um cara, não enterro. Há outra solução para mandar ele embora. Se jogar no rio, por exemplo, corre. Como ali, saindo de Petrópolis, onde tem uma porção de pontes, perto de Itaipava. Não (jogar) com muita pedra. O peso (do saco) tem que ser proporcional ao peso do adversário, para que ele não afunde, nem suba. Por isso, não acredito que, em sã consciência, alguém ainda pense em achar um corpo.”
A técnica
“É um estudo de anatomia. Todo mundo que mergulha na água, fica na água, quando morre tende a subir. Incha e enche de gás. Então, de qualquer maneira, você tem que abrir a barriga, quer queira, quer não. É o primeiro princípio. Depois, o resto, é mais fácil. Vai inteiro. Eu gosto de decapitar, mas é bandido aqui (Baixada).”
Rubens Paiva
“Rubens Paiva, calculo, morreu por erro. Os caras exageravam naquilo que faziam, sem necessidade. Ficavam satisfeitos e sorridentes ao tirar sangue e dar porrada. Isso aconteceu com Rubens Paiva. Deram tanta porrada nele que, quando foram ver, já estava morto. Ai ficou o abacaxi, o que fazer? Se faz o que com o morto? Se enterra e se conta este negócio do sequestro. Só que o cara, primeiro, enterrou na estrada que vai para o Alto da Boa Vista. Aí, estavam fazendo a beirada da estrada, cimentando, e o cara viu que eles iam passar por cima do corpo. Foi lá e tirou.”
Destino final de Paiva
“Enterrar, queimar, botar no ácido, que desaparece. Tudo isso passou pela minha cabeça. Mas as dificuldades encontradas para fazer isso, já eram outras. Então, disse: ‘vamos resolver esse problema de modo que não deixe rastro’. Aí surgiu essa ideia. Discutimos a ideia e achamos que era a ideia mais viável.”
Prisões clandestinas
“Quando o cara entra no quartel, sabe que está seguro, que ninguém vai matá-lo. Quando você prende ele em uma casa, pensa: ‘Por que me trouxeram para cá e não me levaram para o quartel?’ E a gente ameaçava com isto: ‘Você já viu que você está preso, mas não está preso no quartel. Você está preso em uma casa. Daqui você pode ir para qualquer lugar. Aqui você não está inscrito em nada.”
Cadeia de comando
“Ele (o ministro) era sempre informado. Estava sabendo. Relatórios eram feitos e entregues ao chefe da seção com os EEI, Elementos Essenciais de Informações. Então, através desses EEI, eles sabiam tudo.”
Interrogatórios
“Aprendi que um homem que apanha na cara não fala mais nada. Você dá uma bofetada e ele se tranca. Você passa a ser o maior ofensor dele e o maior inimigo dele. A rigidez é o volume de voz, apertar ele psicologicamente, sobre o que ele é, quais são as consequências. Isto sim. Tudo isto é psicológico. Principalmente quando houve outros casos, né? Fulano foi preso e sumiu. Ele não é preso em uma unidade militar, ele vai para um lugar completamente estranho, civil, vamos dizer assim, uma casa. Ninguém sabe que ele está lá. Não há registro. Tudo isto é coação psicológica.”
Guerrilha
“Destruímos todas as organizações subversivas porque acabamos com a cabeça delas. Quando você corta a cabeça de uma cobra você acaba com a cobra. Então, este foi o nosso trabalho.”
Sono perdido
“Poxa, não. Só perdi noite de sono estudando (as organizações de esquerda). Até hoje, estudo.”
Aposentadoria
“Me retraí quando o meu mundo começou a virar. Quando fui sentindo que nós, que tínhamos lutado, e não fomos tantos assim, estávamos perdendo poder. Foi mais ou menos na época do governo Sarney.”
Carreira na repressão
“O DOI (Destacamento de Informações de Operações) é o primeiro degrau. Você entra ali, voando. Aí, se brutaliza, passa a ser igual aos outros, mas depois vai raciocinando e se estruturando. Houve uma mudança da porrada para o choque. Você pode dizer: ‘Foi uma mudança ruim’. Foi não. Não deixava trauma, não deixava marca, não deixava nada. Já foi uma evolução. Ai, você vai caminhando, aprende de outros lugares, também. De outros países, como é feita a coisa. Então, você se torna um outro personagem, um outro cara e, por causa disto, você é guindado a um órgão superior por ser um cara diferente e agir diferente. Tem muito mais amplitude, tem um universo muito maior, aí você se torna um expert em informações.”
Criação do Cisa
“Levamos a ideia do CIE para o Burnier (brigadeiro João Paulo Burnier). Ele mostrou para o ministro (da Aeronáutica, Márcio de Souza Melo), que disse: ‘Poxa que troço! Então funciona’. Aí, fundou o Cisa (Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica. Tanto é que recebi a medalha de Mérito da Aeronáutica. Eu até me senti muito orgulhoso, foi o dia em que eu fiquei mais vaidoso.

CGI, um dos instrumentos da ‘utopia autoritária’ dos militares


BRASÍLIA — A Comissão Geral de Investigações (CGI) foi criada dentro da lógica que a historiadora Maria Celina D’Araujo, da PUC-Rio, chamou de “utopia autoritária” — um conjunto de crenças que dava base ao regime e pressupunha que os militares eram superiores aos civis em questões como patriotismo, conhecimento da realidade nacional e retidão de caráter.
Seguindo esse raciocínio, seria possível, na avaliação dos militares, pôr fim à corrupção, à subversão e ao comunismo por meio da aplicação de medidas corretivas ou saneadoras.
— A ideia era que a sociedade brasileira é despreparada, de que não conseguimos jogar lixo na lixeira, de que não sabemos votar e de que não conseguimos ficar imunes aos políticos demagogos, por isso precisamos de uma mão forte que nos conduza. Isso gera uma repressão, que não se reflete apenas na tortura e no assassinato, mas também em instrumentos como a CGI — explica o historiador Carlos Fico.
Outra face deste lado pedagógico da repressão era, segundo o historiador, a censura aos costumes, que atuava sobre a produção cultural. Por meio da Divisão de Censura às Diversões Pública, procurava-se eliminar de qualquer letra de música, capítulo de novela, peça de teatro ou página de livro mensagens que fossem contra o ideal moralizador da ditadura.
Esta outra vertente da repressão contava ainda com a propaganda estatal, fosse na tentativa de educar a população em campanhas como a do Sujismundo, fosse em campanhas como “Brasil, ame-o ou deixe-o”, ostentadas em objetos de uso diário e nas janelas dos carros para difundir a ideia de que o verdadeiro patriota deveria concordar com as decisões do governo

A íntegra da nota de Sarney sobre o arquivamento de denúncia

BRASÍLIA — Leia a íntegra da nota da assessoria do senador José Sarney sobre o arquivamento de denúncias durante o regime militar:
“O Senador Sarney nunca teve conhecimento desta denúncia. Ela é firmada por um capitão que, à época e depois, foi um dos líderes da linha dura e o acusava de estar cercado de comunistas em seu governo.
O sectarismo de tal denúncia pode ser visto em sua linguagem: “reuni dados concretos comprometedores da lisura administrativa de auxiliares do Governador Sarney” e “tendo a SUDEMA admitido em seu Quadro alguns elementos considerados antirrevolucionários, pessoas essas que estiveram envolvidas em processos, tendo um deles, no caso o seu Superintendente Adjunto Sr. José Tribuzi Pinheiro Gomes (Bandeira Tribuzi), estado preso por uns 50 dias no 24º BC, em 1964, e outro, no caso, o Dr. Benedito Buzard (sic), tido cassado o seu mandato parlamentar, além de outros que […] são tidos como esquerdistas notórios, não desejou a SUDEMA tornar público e ficar assim comprovado o contrato desses elementos, receosa, naturalmente, de vir a Guarnição a tomar como acinte a admissão dos mesmos”.
A apuração foi feita pela própria Guarnição do 24º BC, como se depreende do próprio documento, como por exemplo: “…o Anexo nº 19, documento resposta ao ofício da Guarnição constante do Anexo nº 18…” ou “Tendo a Guarnição, através do Ofício nº 13-Gu.S/2 […] solicitado ao Tribunal de Contas a relação nominal dos funcionários […] obteve a resposta através do Ofício S/N de 8/4/69…”. São diligências e coleta de inexistentes provas, origem da delirante denúncia.
As denúncias não foram levadas a sério nem pelo próprio Comandante, como conclui o denunciante: “…basta querer apertar o cerco. Assim iria agir, 1/ 11/03/20142014 03 11 resposta a O Globo sobre mas, quando solicitei ao […] Sr. Cel. Comandante da Guarnição [do 24º BC], fosse feito novos ofícios para outros Órgãos […] me foi determinado para, nesse ponto, entregar a denúncia à CEI…”
Seria o extremo paradoxo que eles mesmos, denunciantes e apuradores, tivessem o objetivo de ocultar suas próprias denúncias.
O Senador Sarney recorda que processou os jornais que o acusavam e teve sua vigilância permanente, que assumia um caráter de perseguição por ter colaboradores considerados comunistas e por não ter apoiado o AI-5.
São fatos que remontam aos dias seguintes ao AI-5, portanto há 45 anos. Estas denúncias demonstram que o Senador Sarney teve que enfrentar um duro combate desse grupo militar. Todos conheciam o extremo radicalismo do autor”.
BRASÍLIA — O sistema de repressão da ditadura protegeu aliados e perseguiu oposicionistas, com processos sumários que atropelavam qualquer garantia jurídica, ao sabor das conveniências políticas e da necessidade de legitimar o discurso moralizador do regime. Documentos obtidos pelo GLOBO por meio da Lei de Acesso à Informação mostram que a Comissão Geral de Investigações (CGI) — órgão criado em 1968 com o objetivo de investigar políticos e servidores suspeitos de corrupção — arquivou sem apurar denúncias contra os governos de Antonio Carlos Magalhães, na Bahia, e do hoje senador José Sarney (PMDB-AP), no Maranhão.
Na direção contrária, a mesma CGI devassou a vida do governador Leonel Brizola em busca de indícios de enriquecimento ilícito, repetindo o processo pelo qual tentava provar o envolvimento do presidente João Goulart em irregularidades. A engrenagem montada pelos militares para reprimir atos de corrupção emperrava quando esbarrava em políticos amigos.
A face mais conhecida da CGI foi o seu uso político para investigar João Goulart e Leonel Brizola, exilados no Uruguai desde 1964. Até maio de 2012, quando entrou em vigor a Lei de Acesso à Informação, os arquivos da comissão eram mantidos secretos, devido à necessidade de autorização de cada indivíduo citado nos processos para que os documentos fossem pesquisados.
Com o fim da exigência, historiadores têm se debruçado sobre os detalhes dos inquéritos contra políticos de oposição à ditadura, como os ex-presidentes Jango e Juscelino Kubitschek e os então deputados Ulysses Guimarães (MDB-SP) e Tancredo Neves (MDB-MG).
Mas a comissão também recebeu uma série de denúncias contra políticos aliados dos militares, conforme mostram os documentos pesquisados pelo GLOBO. Segundo o historiador Carlos Fico (UFRJ), a ingerência política nas investigações ocorria por parte do Executivo. O Sistema CGI era controlado a partir de sua sede, no Rio, mas contava com subcomissões em cada estado. O dia a dia ficava sob responsabilidade do vice-presidente, mas a presidência da comissão cabia ao ministro da Justiça.
— Quando os militares descobriam casos de corrupção de gente que apoiava o governo, o ministro da Justiça ou algum de seus assessores costumava intervir para que o processo cessasse. Muitas acusações feitas contra prefeitos do interior eram interrompidas porque eles apoiavam o regime — explica Carlos Fico.
O historiador lembra que, no começo da abertura política, em 1979, houve uma nova intervenção do Ministério da Justiça, mas desta vez a favor de um político de oposição. Uma denúncia contra o então ex-prefeito de Campinas Orestes Quércia (MDB) foi arquivada por ordem do ministro Armando Falcão, para que não parecesse um gesto contra a abertura.
A comissão montava processos de investigação sumária, sempre secretos, que poderiam resultar em decretos de confisco de bens supostamente comprados com dinheiro de origem ilícita. No entanto, poucos processos resultavam em confisco, já que as investigações muitas vezes continham erros grosseiros ou eram alvo de contestações judiciais devido ao atropelo legal.
Atuando como um tribunal de exceção, ao investigar e julgar casos que ocorreram antes de sua criação, a CGI baseava-se na legislação vigente para passar por cima de todos os direitos individuais. Sem a determinação de um juiz, quebrava-se o sigilo de qualquer pessoa por meio de um simples ofício ao Banco Central. Mensalmente, a Receita Federal repassava aos investigadores centenas de declarações de renda solicitadas. Ao contrário do que ocorre hoje, o ônus da prova cabia ao alvo da investigação e não ao acusador.
De acordo com Fico, a CGI foi criada por um grupo de militares que acreditava em outra forma de repressão, de dimensão pedagógica.
— Eles tinham a crença que os problemas nacionais seriam resolvidos com a aplicação de medidas corretivas. Nesse pacote, estava a censura aos costumes, por exemplo, e a propaganda de campanhas como a do Sujismundo, a do “povo desenvolvido é povo limpo”.
Seguindo essa lógica, os militares propunham o que chamavam de “ações catalíticas”. Em determinadas apurações, mesmo que não se chegasse a nenhuma prova, acreditava-se que a mera convocação de um servidor suspeito para depor poderia ter o efeito positivo de prevenir eventuais atos de corrupção, ou servir de exemplo dentro das repartições.
A exemplo da repressão policial, a paranoia também predominava nos inquéritos da CGI. A maioria das denúncias era remetida por pessoas ou políticos alinhados com a ditadura. Os denunciantes muitas vezes misturavam suspeitas de corrupção a acusações de natureza ideológica e até a picuinhas políticas. Historiadores dizem que os casos apurados pela CGI não merecem ser considerados verdades estabelecidas, seja pelo desrespeito jurídico, seja pelo clima de paranoia reinante.
Denúncias sobre Sarney arquivadas
Em 9 de abril de 1969, pouco mais de três anos após José Sarney assumir o governo do Maranhão, o capitão de Infantaria Márcio Matos Viana Pereira entregou a seu comandante direto, em São Luís, um dossiê de 17 páginas, com 25 documentos anexados. Sob o título “Corrupção na área do estado”, o texto, escrito em primeira pessoa, elencava uma série de denúncias contra a administração Sarney. O relatório foi enviado ao braço maranhense da CGI, submetido à sede no Rio e arquivado meses depois, sem provocar investigações.
A comissão ignorou o documento, que, entre outras críticas, acusava Sarney e asseclas de superfaturar uma obra, desviar recursos de outra e pagar mais por um terreno da Arquidiocese, com o suposto objetivo de agradar ao clero.
O dossiê do capitão foi anexado a outro caso que a CGI analisava, sobre uma dispensa de licitação autorizada por Sarney para construir a estrada entre Santa Luzia e Açailândia. Nada foi investigado, e as acusações do capitão foram engavetadas. Ao arquivar o inquérito sobre a falta de licitação, o relator da CGI reconhece que Sarney errou e pontua que a dispensa ocorreu em “circunstâncias controvertidas”, mas conclui que não era atribuição da comissão reprimi-lo.
Procurado, Sarney afirmou que Pereira o perseguia, acusando-o de “estar cercado de comunistas”. “As denúncias demonstram que o senador teve que enfrentar um duro combate desse grupo militar”, diz nota enviada ao GLOBO.
Suspeita sobre ACM engavetada
Uma reportagem publicada pelo GLOBO em 18 de março de 1975, meses após o fim da primeira passagem de Antonio Carlos Magalhães pelo Palácio de Ondina, fez a sede da CGI determinar à subcomissão baiana uma apuração preliminar. Em um ofício enviado a Salvador, os militares lotados no Rio queriam detalhes sobre possíveis irregularidades na construção da rodovia BR-415, que ligaria Ilhéus a Vitória da Conquista. A obra, orçada na época em 1 bilhão de cruzeiros, teria sido contratada sem licitação. Três meses depois, o caso foi arquivado.
A pedido da sede no Rio, a subcomissão recebeu da Procuradoria Geral do Estado (PGE) — órgão do governo baiano incumbido de defender o estado — um parecer confirmando a ausência de justificativa para não ter licitação. Naquele momento, o governador já era Roberto Santos, escolhido pelo presidente Ernesto Geisel a contragosto de Antonio Carlos.
No documento, a PGE apresentava as justificativas enviadas pelo Departamento de Estradas de Rodagem da Bahia para não ter havido a devida concorrência pública. Segundo o ofício, além da necessidade de aproveitar a estiagem para começar imediatamente a obra, havia outro suposto motivo: empresas baianas estavam “carentes de novos serviços e capacitadas de os executar (sic) em curto espaço”.
Procurado para comentar o caso em nome da família, o prefeito de Salvador, Antonio Carlos Magalhães Neto, não respondeu ao GLOBO.
Brizola teve sigilos quebrados
A investigação contra Leonel Brizola durou 438 dias, durante os quais a CGI devassou a vida do ex-governador, exilado havia seis anos. A canetadas, sem passar por nenhuma instância jurídica, o inquérito contra Brizola quebrou seus sigilos bancário e fiscal, e percorreu cartórios em busca de possíveis bens não declarados. A exemplo do processo contra Jango, o tribunal de exceção mostrou-se feroz.
Instaurada em 18 de fevereiro de 1970, a investigação buscava indícios de enriquecimento ilícito de Brizola. O primeiro passo foi escrutinar as declarações de bens de 1959, 1960, 1962, 1963, 1964, 1965, 1966, 1967 e 1968. A ausência do documento de 1961 atrasou o inquérito, e fez o presidente da subcomissão gaúcha enviar ofício à Receita Federal.
A quebra do sigilo bancário foi rápida. Em 12 de outubro de 1970, semanas após receber o pedido, um funcionário do Banco Central em Porto Alegre enviou à comissão — com os tradicionais “protestos de elevada estima e consideração” — cópia dos extratos de todas as contas do ex-governador.
Em outra frente de apuração, os cartórios do Rio Grande do Sul receberam a ordem de informar a existência de imóveis. A CGI dedicou atenção especial à compra da Fazenda Pangaré, em Viamão (RS), em 1958, pois suspeitou-se de irregularidades. Nada foi provado, e em 22 de abril de 1971 o caso era encerrado. Ao fim, o relator concluiu que o patrimônio de Brizola era compatível com seus rendimentos.

50 anos do golpe: Prefeito de Salvador é preso e deposto



  • Reprodução | A TARDE
    A Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que reuniu no centro de Salvador milhares de pessoas
A tarde ensolarada daquele domingo em Salvador camuflava o estado de conspiração e tensão política que tomou conta do País. Era cinco de abril de 1964, quatro dias após o presidente João Goulart (PTB) ter seu governo encerrado por força do golpe militar. O então prefeito Virgildásio Senna (PTB) voltava de um almoço com amigos, mas logo seria preso no Quartel da Mouraria e deposto do cargo.

"Cheguei em casa, no Campo Grande, e encontrei a rua cercada por militares do Exército com dois canhões e holofotes enormes. Indaguei a uma pessoa o que estava acontecendo. ´Estão prendendo o prefeito´, respondeu. Me dirigi, então, ao Quartel da Mouraria e o general que me deu ordem de prisão disse: 'Você está preso porque somos cristãos'".

A onda de cassações e perda dos diretos políticos iniciada em 1964 - Waldir Pires (PSD) e o deputado federal comunista Fernando Sant´Anna foram cassados e exilados - atingiu lideranças e prefeitos, como Francisco Pinto (Feira de Santana), Pedral Sampaio (Vitória da Conquista), e Herval Soledade (Ilhéus). Os dois primeiros foram eleitos pelo PSD e o último pelo PTB, partidos que enfrentavam a oposição da UDN.

Na Bahia, depois do AI-5, em 1968, a ditadura também cassou os mandatos de 13 parlamentares, entre os quais o médico Luiz Leal (PSD), o jornalista Sebastião Nery (MTR), o jurista Marcelo Duarte (MDB) e o petroleiro Wilton Valença (PSB) - os únicos ainda vivos.

Na madrugada do golpe, o Estado era governada por Lomanto Jr., do mesmo partido de Jango, o PTB, mas que se recusou a assinar o Manifesto dos Governadores do Nordeste, redigido pelo governador de Pernambuco Miguel Arraes (PST), contra o golpe de 1964.

Marcava, assim, a adesão de Lomanto à ditadura que se instalou no Brasil e que durou até 1985 - quando Tancredo Neves (PMDB) disputa eleição indireta, via Colégio Eleitoral, e é eleito o primeiro presidente civil depois do golpe militar.

Conspiração e levante

Em depoimento ao A TARDE, Virgildásio Sena lembrou que, dez dias antes do golpe, Lomanto se reuniu, na Capital baiana, com vários governadores, todos preocupados com o reflexo da crise econômica do governo Jango, sobretudo nos estados mais pobres.

Participaram do encontro alguns dos principais apoiadores e articuladores do golpe, como os governadores de Minas, Magalhães Pinto, e do Rio de Janeiro, Carlos Lacerda, ambos da UDN, e Mauro Borges (PSD) de Goiás.

Magalhães Pinto era candidato à Presidência da República, lembra Virgildásio, e um dos fundadores do Banco Nacional de Minas Gerais.

"Ele soube que a prefeitura de Salvador operava as suas contas no banco e pediu a Pamponet, na época gerente da filial baiana, para marcar um encontro comigo", relata o ex-prefeito.

O petebista recebeu o governador de Minas no apartamento que ocupava no antigo Hotel da Bahia, no Campo Grande. "Magalhães me convidou para ser o coordenador da sua campanha na Bahia. Disse a ele que fiquei honrado com o convite, mas que precisava refletir. Foi então que o indaguei: ´Como está sua relação com Jango?´. E o governador me respondeu:

- Amanhã irei ao Rio de Janeiro conversar com ele. Direi que eu sou a única hipótese de entendimento entre as forças políticas (que se opunham às Reformas de Base) e ele.
No dia 28 de março de 1964, numa reunião em Juiz de Fora (MG) entre Magalhães Pinto e os generais Olímpio Mourão Filho e Odílio Denys o levante militar foi desencadeado e o golpe efetivado na madrugada de 1º de abril.

Para evitar uma guerra civil, João Goulart preferiu se refugiar no Uruguai, onde pediu exílio político.


Ditadura na Bahia é tema de reportagens nos 50 anos do golpe
A TARDE inicia uma série de reportagens sobre os 50 anos do golpe que derrubou o presidente João Goulart. A primeira delas recorda os fatos políticos ocorridos em Salvador entre março e abril de 1964.

Saldos do golpe

Joviniano Neto | Sociólogo e professor da UFBa
“50 anos e ainda dói”. Esta frase, nas costas da camisa de ex-preso político, na Mudança do Garcia, demonstra a permanência do golpe de 1964 com trauma e problema. Implantando, pela força, uma modernização autoritária, no Brasil e na Bahia, o golpe mudou o Brasil – grande parte da realidade atual resulta da sua ação e da reação a ele.

A longa transição da Ditadura, negociada e limitada, mantém problemas recalcados e irresolvidos. A Anistia de 1979 foi incompleta e hoje se luta para reinterpretar a lei para responsabilizar torturadores; a busca pelos desaparecidos políticos continua, a permanência dos traumas da tortura nas vitimas e familiares faz com que funcionem “Clinicas do Testemunho”; a Comissão de Anistia já julgou mais de 60 mil casos de vitimas. O saldo do golpe ultrapassou os Direitos Humanos.

A estrutura econômica, social e política mudou. A aceleração da urbanização colocou a maioria dos brasileiros nas cidades e nas periferias. Os antigos partidos foram extintos e os atuais surgem a partir da situação e oposição a Ditadura. A industrialização prosseguiu e um novo operariado cresceu nas indústrias de bens de consumo durável.

A integração, via televisão e rodovias, mudou modelos de comportamento. Os “casuísmos” eleitorais não impediram a evidência de que a maioria do povo era contra a Ditadura. Ela não deixou boas lembranças e, 50 anos depois, os jovens perguntam em que circunstâncias o golpe aconteceu.
Internacionalmente, estávamos na “Guerra Fria” entre o Mundo “Ocidental”, liderado pelo Estados Unidos e o “Oriental” liderado pela União Soviética. Os conservadores associavam o nacionalismo e o crescimento das mobilizações por mudança social, ao comunismo.




    Comissão de investigação arquivou denúncias contra amigos do regime, mas 





































































    devassou contas de opositores

    • Denúncias sobre Sarney foram arquivadas, assim como suspeita contra ACM foi engavetada. Brizola teve sigilos quebrados
    Tópicos da matéria:



    José Sarney, Antonio Carlos Magalhães e Leonel Brizola O Globo / Arquivo

      A Casa da morte, em Petrópolis Custódio Coimbra/22-06-2012 / Agência O Glo