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domingo, 25 de maio de 2014

Entre as Copas de 1950 e 2014, cidade sofreu várias mudanças




Hoje a região no entorno do estádio remodelado é densamente povoada, refletindo o aumento populacional
Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo


Hoje a região no entorno do estádio remodelado é densamente povoada, refletindo o aumento populacional Márcia Foletto / Agência O Globo
RIO - Em casimira inglesa, padrão xadrez, manga forrada em seda e três botões, o paletó esporte da Lojas Ducal custava 550 cruzeiros e combinava com qualquer calça de tom sóbrio. Com a chance de pagar em 24 parcelas, a promoção fez com que muitos cariocas corressem até o comércio da Praça Tiradentes, número 42, e comprassem um modelo às pressas. Afinal de contas, a ocasião exigia algo especial. Estava para começar o IV Campeonato Mundial de Football, e o Rio de Janeiro era a mais importante das seis cidades-sede. Em apenas um ano e dez meses, foi erguido para a ocasião o maior templo de futebol do mundo, onde até 200 mil pessoas — quase 10% da população da época — comemoravam cada gol brasileiro sacolejando no ar um lenço branco. Construído para ser um símbolo do futuro positivo que se esperava para o país, o nascimento do Estádio Municipal do Maracanã foi um marco definitivo na história da cidade.
Sessenta e quatro anos depois, a Copa do Mundo está de volta e encontra um Rio muito diferente. Nossa população triplicou, saltando de 2,3 milhões para 6,4 milhões de cariocas. Os 57,5 mil carros de então, um para cada quarenta residentes, parecem piada perto dos atuais 2,5 milhões de veículos — o equivalente a todos os carros da América Latina no ano de 1950. Em vez de 50 mil turistas, vamos receber 600 mil. Caminhar pela antes arborizada Avenida Rio Branco tornou-se uma experiência pouco agradável. Da Praça Paris, não se pode mais ver o mar, antigo vizinho. Os charmosos bondes, que rasgavam a cidade com lotação máxima e eram o principal meio de transporte para o estádio — quem ia no estribo não pagava passagem — só existem em memória. Quem for ao Maracanã agora — sete partidas da Copa, inclusive a final, serão lá — provavelmente irá de metrô ou trem, tendo a opção de usar a integração com o sistema BRT (segundo a prefeitura, essa será a escolha de 84% dos espectadores). Após a construção dos túneis Rebouças e Santa Bárbara, ir para a Zona Norte ficou bem mais simples. E os principais problemas urbanos não são mais a falta de água e de saneamento básico, apesar do ainda baixo percentual de esgoto tratado nas favelas. A cidade enfrenta hoje o trânsito caótico e a falta de segurança.
— É uma cidade muito diferente. Ipanema e Leblon, por exemplo, ainda não tinham status. Valorizado mesmo era o bairro de Copacabana — diz o jornalista João Máximo, que assistiu a todos os jogos do scratchbrasileiro no estádio municipal.
Silêncio no maior estádio do mundo
Máximo assistiu inclusive à final contra o Uruguai, quando, aos 36 minutos do segundo tempo, um chute cruzado, estranho, fez a bola passar entre a trave e as mãos de Moacir Barbosa. Um chute que silenciou o maior estádio do mundo e, mais tarde, fez o camisa 7 uruguaio, Alcides Ghiggia, proferir esta pérola da insensibilidade: “Apenas três pessoas calaram o Maracanã: o Papa João Paulo II, Frank Sinatra e eu”. O gol decretou a derrota brasileira por 2 a 1 e deu o título à celeste. No minuto em que a partida se encerrou, o segundo sargento reformado da Marinha, João Soares da Silva, que ouvia o jogo em pé, colado ao rádio, teve uma parada cardíaca fulminante e caiu morto. Após a derrota, o uniforme branco de golas azuis foi abandonado para sempre.
— A inauguração do Maracanã transformou a torcida de futebol carioca. Antes, o maior estádio da cidade era o São Januário. O Flamengo jogava na Gávea. Eu já assisti ao Fla-Flu nas Laranjeiras. Só homem encarava uma arquibancada. O Maracanã enriqueceu esse público, abrindo as portas para mulheres, crianças e idosos — afirma João Máximo.
Se os governantes de hoje parecem preocupados com a onda de protestos contra a Copa, em 1950 o apoio da população foi majoritário. Todos queriam ver o Brasil ser campeão mundial pela primeira vez. E até os poucos atos de vandalismo registrados durante o evento confirmam isso.
No jogo entre Brasil e Espanha, o penúltimo da seleção na Copa, Heron Domingues anunciou no Repórter Esso, às 12h55 — duas horas e cinco minutos antes da partida —, que a Confederação Brasileira de Desportos colocaria à venda uma carga adicional de 10 mil ingressos, pelos mesmos 30 cruzeiros dos jogos anteriores. Uma multidão correu para a porta do estádio e, ao se dar conta de que a notícia era falsa, disparou num só fôlego contra as catracas recém-instaladas. As roletas quebraram e o povo se aproveitou, entrando no estádio de graça.
Assim como hoje, ir a um jogo de carro podia ser uma roubada. Não por causa do trânsito, mas porque o major Geraldo Menezes Côrtes — que hoje dá nome ao terminal-garagem em frente ao Tribunal de Justiça — era o responsável pelo Serviço de Trânsito. Ele criou um método inovador para impedir o estacionamento irregular no entorno do Maracanã: furar um dos pneus dos carros. Na estreia do Brasil contra o México — vitória brasileira por 4 a 0 — 13 automóveis tiveram os pneus furados. Américo Fontenelle, que assumiu a função quando Carlos Lacerda foi o governador da Guanabara, furava não um, mas os quatro pneus. A atual Secretaria de Ordem Pública, famosa pela operação Choque de Ordem, será bem menos rigorosa. Os carros que pararem em local proibido serão, como se tornou usual a partir do fim dos anos 60, rebocados.
Sem TV, gols eram vistos no cinema
A televisão só foi criada poucos meses após a Copa do Mundo. Como ver o replay de um gol, então? Indo para os cinemas da cidade. Dois ou três dias após cada partida, os melhores momentos eram exibidos para uma multidão ávida. As sessões do Cineac Trianon, na Cinelândia, ficavam completamente lotadas.
— Mas até mostrarem o jogo, às vezes tínhamos que esperar uma, duas horas. Embora não fosse muito bem filmado, a gente ficava emocionado. E quando mostravam os gols, muita gente comemorava — recorda o engenheiro aposentado Adolfo Pereira.
Nos dias sem jogos, a programação cultural do Rio era intensa. O turista poderia escolher, por exemplo, desde o “Festival de Bach”, no Theatro Municipal, até a polêmica comédia “Catuca por baixo...”, que o anúncio qualificava como “um espetáculo ousado, diferente e extravagante”. A protagonista: Dercy Gonçalves.
Fonte: O Globo

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