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domingo, 6 de maio de 2012

AS VIAGENS LUISÍDICAS

AS VIAGENS LUISÍDICAS
Por Sérgio Luiz Carvalho Bandeira- 2008/2009
(Baseado em fatos reais...e irreais (poucos)

Epígrafe: “Nem todos os caminhos levam à glória, mas seguimos em frente porque somos levados a ela”.

UMA PORCA NO MEIO DO CAMINHO

Todos os dias, de segunda a sexta-feira, com fé em Deus, Jesus, Maria Santíssima e Frei Galvão, lá vamos nós, seguindo para a cidade de Gentio do Ouro cumprir a nossa jornada habitual de trabalho, no Fórum local daquela bucólica cidade. Nesse ínterim, somos partícipes “in loco” de viagens fantásticas, somente comparadas às de Julio Verne, às empreitadas de Marco Pólo, quiçá também às descobertas marítimas de Vasco da Gama e às aventuras de Odisseu, o herói da Odisseia. Sei que posso parecer fantasioso demais, mas caríssimo leitor, essa é a mais pura verdade e merece sua atenção. O cenário idílico do itinerário cotidiano engrandece nossas singulares viagens. Assim, temos uma evocativa animação, quiçá ereção ótica, provocada pela mãe natureza, em sua nudez verde escultural, fêmea em êxtase de fotossíntese. Naquelas serras, patrimônio exclusivo da humanidade, enxergamos O Colosso de Tebas, com a sua plural imponência. Assim como as histórias diárias que surgem, modifica-se o cenário pelas intempéries, pelas inconstantes estações do ano, pela desmedida ação do bicho homem.
Os montes rochosos emolduram aquele quadro, ora verde, ora marrom, ora vítima das constantes queimadas provocadas por um incauto dono de terra, ora um desatento condutor ou passageiro jogando “bagas de cigarro”, pelas janelas do carro. Sem sombras de dúvidas, a bordo daquele monza verde-qualquer-coisa (o carro que nos conduz ao nosso destino), em quilometragem, se contabilizados e medidos fossem, com certeza, teríamos dado várias voltas em nosso planeta terra. Por dia, no ir e vir, nessas viagens Luisídicas, transcorremos 180 quilômetros, no mínimo. O maior problema dessas citadas viagens, se considerarmos assim, como problema maior, ocorre sempre na parte do desgaste dos pneus do carro, devido às precárias condições da estrada (que assola as estradas baianas há muito tempo), com suas zonas de buracos espetacularmente abissais, mas isso já é uma outra história; o motorista com as devidas ressalvas, também em aparte, merece que se conte uma outra história, a ser abordada com muita, mas muita ênfase, no campo da psicologia. Algo que nos ajude a entender seu jeito de conduzir o cotidiano.
É imprescindível à nossa contação, porquanto peça indispensável, às vezes de teor quase inenarrável, falar pormenorizadamente do nosso fiel condutor, com seus esquecimentos, seu perfil antagônico e sua disposição hercúlea para o trabalho (não é Ironia!). Se Popeye (o do desenho animado, sem o - “olho estourado”, - têm suas forças redobradas no costume de ingesta de espinafre, este nosso amigo Luiz, alcunhado de Luiz de Marocas, sobrenome herdado da genitora do dito condutor, vangloria-se de visitar costumeira e cotidianamente, várias “farmácias” da cidade de Gentio do Ouro, razão pela qual nunca adoece. E se adoece, fato desabonador para a sua estirpe, - a dos que tomam remédios por conta própria-, é acontecimento raro, só acontecendo uma vez em cada década. Essas “farmácias”, para que o atento leitor nos entenda, são insight afetivos e efetivos dos seus assíduos frequentadores, inferindo semelhanças várias entre farmácias e bares, ou vice-versa. As comparações são hilárias. Para aquele que ignora que existe uma específica “farmácia”, onde se toma a “marvada” pinga, é melhor ficar atento: A clientela assídua desses reconditos espaços, costuma alardear aos quatro cantos,-(quando estão no clube do bolinha)-, sua inclinação aos encantos aromáticos, porém na presença das “luluzinhas”, constroem disfarces frasais do tipo: Vou na “farmácia” de Fulano, Sicrano, Beltrano, tomar um “remédio”. Os contumazes ébrios usam de artifícios como fazer um “ás”, um “duque”, “um terno”, relacionando o número de vezes em que levantaram os copos às figuras das cartas do baralho, seguindo uma ordem numeralística e beberetícia. Nesse vai e vem às “farmácias”, são feitos vários “ás”, “duques”, “ternos”, “quadras”, quiçás “quinas”, numa profusão etílica que vira confusão mental, porre e uma ressaca que sempre pede o verdadeiro remédio, seguindo as vias corretas, ou seja: médico, receita, farmácia, farmacêutico, remédio, engolir e pronto.
Voltando à nossa viagem diária... Vamos lá! Regado ao pó (refiro-me ao pó, à poeira da estrada), e boas conversas sobre diversos assuntos, desconfortavelmente instalados, sem ar condicionado e outras regalias... Como disse anteriormente, lá vamos nós, rumo ao conhecido e ao desconhecido (o fator surpresa que nos embriaga docemente e nos assusta diariamente).
Numa dessas viagens, precisamente no dia 03 de dezembro de 2008, numa terça-feira com “cara” e espírito de uma terça qualquer, por volta de seis horas de uma manhã nunca cinzenta, com seus idos quarenta e cinco minutos, aconteceu certo óbito de certa porca, que saiu da vida e entrou na panela, digo, na história, ou vice-versa.
O carro estava lotado, como habitualmente acontece, composto de vários passageiros, a exemplo de três serventuários da justiça, moradores da cidade de Xique-Xique, que trabalham no Fórum da cidade de Gentio do Ouro; o Secretário de Saúde e a enfermeira plantonista do município de Gentio do Ouro e uma professora, que exercia a docência na localidade de Gameleira do Assuruá, perfazendo o total de seis pessoas. Em alguns poucos minutos passávamos quase velozmente, acelerando paulatinamente, em frente ao Matadouro Municipal de Xique-Xique, quando a prudencial voz da enfermeira se fez ouvir (grito frenético), ante os olhares espantados e medos sepulcrais: “olha a porca, seu Luiz!”. Era Tarde demais. Tardiamente. Muito tarde. Servira o freio como uma espécie de descarrego de consciência, do tipo que a pessoa faz com previsões não otimistas, sabendo que o pior vai acontecer. Se é que já não aconteceu. E naquele dia aconteceu. Luiz, o motorista, ao tempo que freava, que ouvia o grito, que outras coisas mais, também falou, também gritou: “Eta, porra! (falou de um jeito impossível de traduzir pela escrita, por mais genial que fosse o escritor e, nesse caso, não seria eu tão genial ou seria? Basta de presunção, senhor aprendiz de escritor!(voz da consciência ...).
Pergunto: Que animal, sem trocadilhos da palavra, na acepção ippsis litteris, julgaria atravessar abestalhadamente incólume o caminho do nosso fiel e bom condutor, cumpridor de todas as normas pensadas do código de trânsito brasileiro, desses motoristas que não saem de casa sem uma perfeita averiguação pormenorizada de todos os itens do seu prestimoso carro, um monza fabricado nos idos de um tempo solitário, já ido e sem volta? Que animal seria este? Na verdade, os ditos animais atravessadores, classificam-se na categoria dos porcos, coletivo vara, que, sem equacionar a relação tempo-espaço resolveram encurtar o caminho do habitual passeio matinal. Como os porcos não sabem das histórias de outros porcos atropelados, porque não leem o obituário do jornal e tampouco assistem ao noticiário da TV, não poderiam evitar o inevitável. Não há na memória imagística dos porcos nenhuma resposta objetiva para a cena apresentada, os acontecimentos passados não foram registrados, portanto, ao decidirem encurtar o caminho, um desses porcos também encurtou o seu tempo de existência no planeta terra. Nos milésimos de segundos que antecederam ao seu trágico destino, deve ter ouvido o grito ensandecido do motorista, no instante singular do atropelo, mas não podemos atestar com veracidade, são somente suposições, devaneios deste que vos escreve com o intuito plural de colocar uma porca em destaque histórico, mais relevante do que a sua considerável insignificância. A fêmea porca, ao ser atropelada, emitiu um som que costumávamos ouvir, em datas outras, quando se abatiam porcos no método do sangramento, amarrando as pernas do animal, com o ato final de um preciso afundar de adaga na jugular do pobre animal. Um pouco de agonia, derramamento de sangue e ponto final.
A porca, o ser movente, apesar de estar bastante machucada, recolheu-se à sombra de uma árvore esperando que seus órgãos vitais permanecessem em alerta, que não tivessem sido afetados, que não paralisassem. Tentou levantar-se, mas não havia força nem suporte nas suas pernas. São os momentos traumáticos em que o cérebro está reorganizando as ideias. Por um momento tudo fica confuso. Depois, com a plena posse das faculdades organizativas, ele, (cérebro), delibera comandos, e se estivesse a bordo do Titanic, gritaria um “Salve-se quem puder!”. As imagens daquela porca moribunda estão guardadas na memória dos presentes àquele ato, naquele espaço de nossas mentes que guardamos essas coisas que deletaremos quando mais não convier lembrar. O momento de sua morte (a do ser movente) não foi presenciado por nós, apenas nos foi contado que não resistira aos ferimentos internos. Talvez tivesse sido melhor para a proprietária daquele semovente, uma, quem sabe, antecipação dos eventos contributivos que a levaram a óbito. Apenas suposições...
Prejuízo foram vários. Em ordem: o do miserável animal (porca), que mais tarde viria a ser sacrificada, esfolada, dividida..., o carro (faróis dianteiros esquerdos), trocados recentemente. Bom, o prejuízo evidente da dona da porca que, além de perder a porca ainda teria que pagar o prejuízo do dono do carro. Isso no plano das hipóteses; O das moçoilas (que estavam no carro) que, além do susto, de um tremendo susto que levaram, teriam que fazer análise durante algum tempo para se recuperar desse acontecimento inusitado, que transformaria suas vidas, fato marcante: Em frente ao matadouro Municipal atropelaram e mataram uma porca, algo desabonador na ficha existencial de qualquer ser humano que se preza e preza aos outros, independentemente de serem animais de uma escala dita inferior e na cadeia alimentar do próprio homem.
Psicologicamente aos bagaços, após o hediondo susto (o autor aqui exagera copiosamente para prender a atenção do nobre leitor), do lado de fora do carro, iniciaram-se os trabalhos inquestionáveis de perícia, além de um incrédulo bate-boca sobre a quem recairia a culpa, e quem arcaria, pagaria o ônus daquela maledicência, que ainda estava em fase de cálculos, ou seja, da enumeração dos danos causados pela mesma, pelo semovente porca. Cogitou-se entre os serventuários da justiça, co-participes desse evento, a cobrança de danos morais, imorais, numerários, advocatícios, etc. e tal, além de outras tantas e severas leis, enumeradas por alguns códigos e jurisprudências. O secretário de saúde, pertencente ao município contíguo, fez severas críticas ao fato do animal estar solto, quem sabe não era portador de alguma moléstia infecto-contagiosa, quem sabe isso e quem sabe aquilo, explanação esta que foi entusiasticamente e adverbialmente bem recebida pela enfermeira, também do município contíguo àquele, que enumerou uma série de doenças causadas por esse tipo de animal, quando não lhes são dadas as condições mínimas de higiene. Foi enfática e profilática. A professora da localidade de Gameleira do Assuruá não se fez de rogada. Desferiu verbos e adjetivos impronunciáveis, relacionando-os à porca, àquela situação, ao calor inclemente àquelas horas da manhã, e um pouco menos, adjetivamente falando, à dona da porca que ninguém sabia quem era.
Parou um carro do EBDA e pensamos que a solução para aquele caso teria o seu desfecho. Imaginamos até que alguém teria chamado os representantes daquele órgão em razão daquela balbúrdia em frente ao Matadouro Municipal. Ledo engano. Estavam indo para o município de Gentio do Ouro. Averiguaram a situação, constataram in loco a problemática, porém nada de solucionática. Ofereceram, aliás, deram carona à estressadíssima professora, que já não suportava a ideia de atraso, tampouco faltar às aulas, no período da manhã, naquele dia, no Colégio Normal Municipal Jackson Ribeiro de Miranda, onde ela lecionava e se sentia imensamente útil. Útil à sociedade Gameleirense e a ela mesma. Sem delongas, transmitiu o que sucedeu, depois de provocada pelas perguntas. Se ela, a professora, contou o acontecido somente para uma pessoa não se sabe, mas que a cidade toda ficou sabendo, ah, isso ficou! Sicrano deve ter contado pra Beltrano que contou para Fulano que contou para mais um monte de pessoas, aí a porca virou boi, o boi virou o carro, virou gravíssimo acidente com o “pessoal do fórum”, mas isso foi apenas um boato sem fundamento, notícias sem eira, nem beira, levadas pelo vento nas bocas-de-matildes. Mas já nos diz um velho ditado: “Quem conta um conto aumenta um ponto”.
De volta à cena do crime, digo atropelamento e posterior crime, perguntou-se a um quase próspero e “adiposo” proprietário de roça, próximo ao acidente, se o semovente pertencia ao mesmo, ao que respondeu, não. De quem seria então aquele animal? A pergunta ficou no ar, insustentável leveza. Deu-nos apenas um indicativo de quem poderia ser. Esse indicativo virou constatação irrepreensível, após a coleta de mais algumas informações com uma funcionária do estabelecimento encarregado de fornecer “carne” à população em troca do sacrifício humanitário de prestimosas reses e outros animais. A dona daquele animal, que estava em vias de adentrar no mundo dos espíritos-de-porco (falamos do animal), chamava-se Evinha, ou carinhosamente Dona Evinha, também pertencente ao quadro funcional daquela entidade matadoura, como já foi dito anteriormente. Agora a nossa investigação ganhava corpo, aliás, um nome. Um nome feminino, primeiro, primordial, provavelmente o diminutivo de Eva. Com certeza, a criação tinha tudo a ver com ela, D. Eva.
Retornamos após uma tentativa frustrada de conversa via - celular, com o responsável pelo Matadouro Municipal, para o centro da cidade, e nos dirigimos para o mercado de carne da cidade de Xique-Xique, (o motorista nos guiou, nos conduziu até o “mercado de carne”, nome deveras interessante...), onde, provavelmente, encontraríamos a agora “famosa”, D. Evinha. Parecia que ela era a grande responsável por tudo de errado que nos acontecera naquele dia: O atraso, o atropelo, o bate-boca, os xingamentos, todos aqueles reveses a que fomos submetidos, justamente porque D. Evinha deixou os animais soltos, perambulando pelo asfalto. Justamente porque ela não os prendeu. Ela, definitivamente, era a única culpada. Teria que pagar o prejuízo total do carro, digo dos faróis, teria que pagar pelo susto, (grande susto), por um monte de coisas ainda não pensadas e que, passariam a integrar uma suposta ação de danos morais, idealizada em nossas utópicas mentes.
Pouco depois sofreríamos a nossa primeira decepção. E digo que sofremos irmanados com a dor do motorista, que sofreu a perda dos faróis, diga-se de passagem, comprados recentemente: Na chegada ao mercado de carne, não encontramos D. Evinha (Que pena!). E tampouco D. Evinha nos procurou, após ter sido procurada via moto-boy na rua em que morava. E assim ficou: Mais tarde, após o nosso retorno da cidade de gentio do Ouro, acertaríamos (eu, expectador, e Luiz, o cobrador) as contas referentes aos prejuízos, com D. Evinha. Isso era o que imaginávamos. E ficou na imaginação... D.Evinha choramingou a morte da porca, e mais ainda sobre a possibilidade de pagamento do farois do carro. Ela, D.Evinha, resmungava que além de ter perdido a porca, teria que arcar com prejuízos, dando a entender ou querendo se fazer entender sobre a possibilidade de inversão do ônus do tal prejuízo, quem sabe usando de artifícios de compaixão, não se compadecia o inabalável condutor que, conduzindo o veículo atropelara seu animal, uma porca que lhe traria outros vários recursos, quem sabe lucros e dividendos e que, agora, morta, prejuízos lhe trouxera, somente prejuízos, e o condutor indiferente, falando, mostrando o que outrora tinham sido farois de carro, o quanto custara, perguntava se a mulher teria condições de pagar, e de honrar compromissos. No fim das contas, mais contas e uma indefinição incomensurável. Gente se aglomerando. Funcionários do próprio matadouro municipal. A porca morta. Muitos opinando. Luiz, o motorista, perguntara se a dona da porca teria outros ganhos ou outro tipo de comércio que não fosse aquele de venda de carne de porco. Ela também vendia tripas. Luiz não se fez de rogado e disse que aceitava o pagamento parcelado em tripas secas, uma vez por semana, porém Dona Evinha retrucou dizendo que se fizesse isso não teria condições de sobreviver, pois pagava alguém pelas famosas tripas, pela aquisição e limpeza e só depois e que vendia, com lucro ínfimo, irrisório. Estaca zero nas negociações, novamente. Nas conversações, explico. Daí em diante tudo se concentrou na divisão da porca. Uma banda da porca (metade) seria destinada aos pagamentos dos prejuízos no veículo ocasionados pelo atropelamento da porca. Ou seja, a porca que causou o acidente, que foi vitimada, ela própria serviu de moeda para pagar os prejuízos.
Há, porém, boatos quase fidedignos que o miserável animal, miserável no estado em que se encontrava, apesar de ter sido atropelado e de estar bastante machucado, teria grandes possibilidades de sobrevivência, porém a sua dona, pobre, paupérrima de recursos, optou pelo sacrifício incondicional da mesma, para a satisfação dos débitos e apaziguamento do ânimo do incauto (pensava ela) condutor daquele miserável veículo que apareceu sei lá de onde e que trouxe essa tragédia, uma dívida, levou uma porca (a metade, após a divisão) e deixou uma mulher pobre cada vez mais pobre, e uma história para ser contada em algumas laudas de uma certa espirituosidade. Em nossas considerações finais, Não foi possível mover ação contra a proprietária do animal em virtude de que o motorista estava com a carteira vencida, além da situação irregular do próprio carro (IPVA), e outros tantos pontos negativos que enumerar não vale a pena, porque nesse caso, a alma não é pequena.
Posted 4th February 2010 by apoesiaquenospariu
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