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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

VARAS E COMARCAS: DEPÓSITO DOS GABINETES Postado por: Antônio Pessoa Cardoso em 24/02/14 às 11:27

O Corregedor Nacional de Justiça foi muito feliz quando tratou do descaso dispensado à justiça de primeiro grau, assegurando que os “tribunais fazem licitação, compram veículos e móveis, colocam nas sedes dos seus palácios e mandam móveis antigos e carros velhos para a primeira instância, que fica como depósito do Judiciário”. A manifestação é tão real como aquela outra da ministra Eliana Calmon, quando afirmou que a magistratura atravessa gravíssimo problema qual seja a “infiltração de bandidos que estão escondidos atrás da toga.” Até que enfim o CNJ descobriu o óbvio ululante: o primeiro grau, varas e comarcas, que recebem quase 95% de todos os processos inciados no Judiciário e, responsável pela movimentação de 90% de todos os feitos, que correm no sistema judicial dos Estados, não recebe a atenção que merece. Há número excessivo de ações na primeira instância e é gigantesca a deficiência de recursos humanos e materiais dispensados aos magistrados e servidores para atuarem nos seus postos de trabalho. É incompreensível a imensa desproporção estrutural entre processos e servidores do primeiro e do segundo graus; é inexplicável a má distribuição do orçamento do Judiciário, priorizando a matriz, o tribunal, que, como se disse, recebe apenas 5% de todos os processos do sistema judicial, enquanto 95% são destinados às filiais, varas e comarcas. Na condição de Corregedor, visitamos todas as 234 comarcas do interior da Bahia, e constatamos, noticiamos e reivindicamos providências não só ao Tribunal da Bahia, mas também ao CNJ, pelo abandono no qual vivem os juízes e servidores dessas unidades judiciárias. Exatamente por isso, fizemos alguns reparos sobre as exigências do CNJ formuladas aos magistrados e servidores de primeiro grau, porque junto essas exigências não se oferece recursos para atendimento às metas e às importunações. Em várias oportunidades, no exercício do cargo de Corregedor das Comarcas do Interior, mostramos que os juízes, principalmente os servidores trabalham em regime de semi-escravidão, seja porque lhes faltam ambiente digno de trabalho, seja porque cumprem horário extravagante na atividade, descuidando mesmo da saúde, da família e do lazer, ou ainda porque acumulam encargos de três, quatro juízes ou servidores. Os locais de trabalho, os fóruns, em muitas comarcas, merecem ser lacrados dadas as condições de abandono; são locados em casas velhas, com o telhado sujeito a desabamento, instalações elétricas precárias, sem segurança, sem higiene, internet em péssimo funcionamento, livros e processos destruídos pelas goteiras, pelos cupins e pelas traças.
Na Bahia, os magistrados dispõem de apenas um (1) assessor, tem inúmeras atribuições, 21 elencadas na Lei 10.845/09, entre as quais solucionar a falta de servidores na comarca ou vara; dar posse, fiscalizar e conferir as contas de custas judiciais; conceder férias, licenças e decidir reclamações contra os servidores; expedir inúmeras comunicações ao CNJ, à Presidência e à Corregedoria, além da instrução e julgamento de todas as ações judiciais; acumula a substituição de comarcas ou varas sem juiz, com vantagem salarial limitada, situação que se mostra permanente para muitos magistrados; exerce a função de administrador do fórum; tem o encargo de juiz eleitoral e ainda recebe a delegação para a prática de atos de competência da justiça federal. Enfim, o juiz na comarca é julgador e corregedor ao mesmo tempo. Por outro lado, a grande maioria das unidades judiciárias passa por situação inacreditável no que se refere aos servidores; muitas dispõem de somente dois a cinco servidores, outras tantas tem escreventes praticando todos os atos do cartório, porque acumula a função de escrivão, cargo para o qual não foi concursado; essa ocorrência não é temporária, mas permanente. Registra-se casos nos quais o auxiliar judiciário está como titular do cartório há mais de vinte (20) anos. Repita-se que não é excepcionalidade, mas uma constante nos fóruns da Bahia. E o pior é que esses sacrificados servidores não percebem o salário contemplado na lei, que é violada, além de descaso com a Súmula 378 do STJ que assegura: “Reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais dai decorrentes”. Na segunda instância, o desembargador, com dez (10) assessores, bons e espaçosos gabinetes, máquinas e pessoal qualificado, recebe a atribuição para julgar processos em bem menor quantidade, além de vantagens que não tem o magistrado de primeiro grau. Perto da aposentadoria, noventa (90) dias antes, o magistrado de segundo grau não recebe processos para julgar; não exerce a substituição, porque a lei confere ao juiz esse encargo de substituir o desembargador nas férias, licenças, aposentadoria; quando o juiz retorna encontra processos acumulados, porque seu substituto é também um juiz que já está assoberbado com os feitos na vara onde é titular. As audiências dos juízes nas varas e nas comarcas são diárias e muitas por dia, enquanto os desembargadores julgam coletivamente, em um turno, duas ou três sessões por semana. E mais: na decisão de muitos processos, há o revisor que revê o julgamento do colega. No segundo grau há sobra de funcionários em comissões ou à disposição deste ou daquele órgão ou gabinete; recebem bons salários, diferentemente do que se registra na primeira instância, onde há poucos servidores; a remuneração é diferenciada bem acima do que ganha os colegas de primeira instância; paga pelo plano de saúde, mas tem de buscar médicos em cidades grandes ou na capital; a realização na carreira ocorre quando surge alguma requisição, do contrário só lhe resta buscar outra atividade menos estafante. Registre-se que os encargos do Presidente e do Corregedor são exaustivas; na verdade, aquelas atribuições dos juízes nas comarcas não ficam com os desembargadores, mas missão do Presidente e da Corregedoria. Basta saber-se que o Presidente do Tribunal de Justiça da Bahia recebe trinta e cinco (35) atribuições e o Corregedor quarenta e uma (41). Bom seria se o CNJ adentrasse na situação dos tribunais superiores para verificar eventual desequilíbrio entre orçamento, processos e servidores. 
Por Antonio Pessoa Cardoso, desembargador aposentado pelo Tribunal de Justiça do Estado da Bahia

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