A
desembargadora Rosita Falcão acusou o presidente da Tribunal de Justiça
da Bahia (TJ-BA), desembargador Eserval Rocha, de denunciá-la
anonimamente no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por ter se oposto a criação da Câmara do Extremo Oeste. A
acusação ocorreu durante a sessão plenária do Tribunal realizada nesta
quarta-feira (11). O Bahia Notícias teve acesso na íntegra ao discurso
da magistrada contra Eserval, que foi lido durante a sessão plenária. Os
presentes na sessão, de acordo com fontes do Bahia Notícias, aplaudiram
e ovacionaram a declaração da magistrada. O discurso de Rosita começa
falando sobre a obra de Cesare Beccaria, de 1764, que trata dos Delitos e
das Penas, e condena o direito de vingança e denúncia anônima, além de
defender a separação do Poder Judiciário do Legislativo. “Sinto-me
obrigada a levar ao conhecimento de vossas excelências e de toda
sociedade, um assunto da mais alta gravidade que vem ocorrendo neste
tribunal. Trago comigo a concepção de que a denúncia anônima é um dos
atos mais iníquos, covardes e vís que um ser humano pode praticar. O
indivíduo que se esconde atrás do anonimato é um ser repugnante, que
rasteja até mais não poder para servir aos poderosos, compensando sua
subserviência com a humilhação e depreciação daqueles que considera mais
frágeis e desprotegidos”, diz Rosita Falcão.
A
desembargadora lembra em seu discurso que a denúncia anônima durante o
período da inquisição foi responsável por milhares de vítimas levadas à
fogueira, sacrificadas em nome de Deus, e também nos períodos de
revoluções, em que os “dedos duros da revolução” entregavam pobres e
estudantes aos militares. “Senhores desembargadores, apenas quatro dias
após a minha manifestação nesta corte, acerca do projeto de Lei para
criação da Câmara do Extremo Oeste, foi dado entrada no CNJ uma denúncia
apócrifa contra mim, onde de forma virulenta e caluniosa, o denunciante
assacou várias acusações contra a minha família, afirmando que meu
marido e meus filhos (nominando todos) são advogados, e que eu os
beneficiei, participei de julgamentos e julguei processos patrocinados
por eles, ou por interpostos advogados, num verdadeiro conluio
criminoso, citando 10 números de processos em que eu assim agira,
juntando espelhos processuais e notas taquigráficas, na tentativa de
provar o ali afirmado”, expõe a magistrada.
De
acordo com Rosita, no último parágrafo da denúncia, o denunciante diz
que a “desembargadora tem oito irmãos e dezenas de sobrinhos advogando.
Interroguem a cuja e ela terá de dizer, dar nomes. Pesquisem e terminada
a investigação, prendam todos”. A desembargadora se disse surpresa pelo
descumprimento do Regimento Interno do CNJ, que determina o arquivo
sumário de denúncias anônimas, e que mesmo assim, o juiz corregedor do
órgão determinou o processamento da reclamação disciplinar, e sua
intimação para responder em um prazo de quinze dias. “Intimada para
responder, rechacei uma a uma todas as acusações contra mim e minha
família assacadas, instruindo os autos com farta e robusta prova
documental, constituída por certidões, atas de sessões e publicações do
DJ demonstrando que em todos aqueles processos nominados na denúncia, me
dei por impedida”, defende-se. Em sua resposta ao CNJ, a desembargadora
ainda abriu um tópico em que questiona “a quem interessa denegrir a
honra e a imagem da reclamada”, e demonstrou seus posicionamentos
independentes e contrários, em alguns momentos, a posição do
desembargador presidente do TJ-BA.
Segundo
o texto, Rosita teria despertado um “ódio incontido, declarado por ele a
vários colegas”, desde a época em que ele era apenas desembargador, e
que culminou com sua manifestação contrária a criação da Câmara do
Extremo Oeste. A magistrada ainda diz que por vezes teve conhecimento de
informações pejorativas e depreciativas feitas por Eserval Rocha a sua
pessoa, a seus filhos e marido. “Não é de hoje também que o Sr.
Presidente refere-se a mim como alguém que tem a intenção deliberada de
prejudicar sua gestão, esquecendo-se de que, como membro de um órgão
colegiado, tenho não só o direito mas o dever de me manifestar acerca de
todas as matérias postas à apreciação e, se discordar dos
posicionamentos de algum dos meus pares, sustentar e fundamentar o meu
entendimento. Esta é a verdadeira função do colegiado. O debate, a
controvérsia com a finalidade de se fazer a melhor justiça.
Infelizmente, o Sr. Presidente enxerga como ofensa pessoal toda
provocação ao debate e a reflexão”, afirma. O CNJ, de acordo com a
magistrada, além de não arquivar a denúncia, determinou que o presidente
do tribunal da Bahia apurasse os fatos, por ser de competência
concorrente. “Recebendo a incumbência, ao invés de se dar por suspeito
por todos os precedentes aqui já expostos, o Sr. presidente determinou a
minha intimação para responder no prazo de cinco dias”, pontua.
“Irresignada, pois a apuração dos fatos estaria a cargo de alguém
flagrantemente suspeito, resolvi ingressar com uma exceção de suspeição,
demonstrando o ódio que o senhor presidente diz abertamente nutrir por
mim, e, examinando os documentos juntados pelo denunciante, percebi que
dentre eles estavam notas taquigráficas datadas de 17 de março de
2014, exatamente dentro do período entre a sessão anterior do pleno de
12 de março, onde declarei a esta corte que ingressara com uma emenda
supressiva, e o dia 19 de março, quando foi enfim votado o tal projeto
de lei. Também outros documentos que acompanham a denúncia encontram-se
datados neste período, como os espelhos processuais”, justifica-se.
Rosita
diz que tomou conhecimento de que Eserval Rocha a teria denunciado
anonimamente, pois não se extrai notas taquigráficas do Tribunal sem
requisição, e que não se fornece o documento sem protocolo. “Dirigi-me
ao setor de taquigrafia, e, constatei através dos livros de Protocolo e
de Protocolo de Pedido de Notas que as notas taquigráficas juntadas pelo
denunciante, datadas do dia 17 de março, foram solicitadas e recebidas
naquele mesmo dia, pelo Exmo. Sr. Des. Eserval Rocha, Presidente desta
Corte, chefe do Poder Judiciário da Bahia!!! (sic)”. A desembargadora
afirma que o denunciante “deixou muito nítida a sua impressão digital”.
“Estava provada a origem da denúncia, confirmando minhas suspeitas. Por
um raciocínio dedutivo lógico chegamos à conclusão que, se na denúncia
apócrifa foi juntado um documento obtido junto ao setor de taquigrafia
exclusivamente pelo senhor presidente Eserval Rocha, é óbvio que os
demais documentos ali constantes também o foram, e que a denúncia também
foi concebida e formulada por ele”, aponta. Falcão ainda questiona
quantas denúncias anônimas foram feitas ao CNJ “enfraquecendo esta
instituição e fortalecendo o prestígio do denunciante junto aos órgãos
superiores”. A magistrada ainda afirma que não foi dado a ela o direito
de acessar o conteúdo dos processos em qual ela figura como parte, sob a
alegação de “ser um processo sigiloso”, e que não é possível o acesso
pelo sistema Siga. “Sem alternativa, dirigi-me à Assessoria de
Magistrados e lá, consegui acesso ao conteúdo dos processos, constatando
que no processo principal havia uma verdadeira balbúrdia. As peças e
documentos foram misturados aleatoriamente, não está presente a denúncia
apócrifa, de tal forma que com a numeração atribuída às folhas do
processo é impossível a compreensão de quem quer que o manuseie”,
relata.
Ainda
em sua defesa, Rosita diz não ter receio de responder a nenhuma
investigação por sua conduta como magistrada, ao afirmar que nunca
cometeu qualquer iniquidade, não praticou nenhum ato ilícito, e que
nunca beneficiou seus familiares. “Sou uma desembargadora ética e honro a
minha toga. Desafio quem quer que seja a dizer que eu tenha pedido ou
interferido em processos onde atue como advogado algum familiar meu. Meu
marido e meus filhos, senhores desembargadores, são pessoas de bem. São
advogados éticos, combativos, que só me dão orgulho. Nunca se meteram
em falcatruas, nunca utilizaram meu nome para obterem decisões
favoráveis, nunca desrespeitaram quem quer que seja, nunca andaram em
companhias escusas nem corruptas”, defende-se. “O que eu não admito e
não aceito, é ser processada e julgada pela pessoa que me denunciou,
pela pessoa que diz abertamente me odiar”. A desembargadora ainda diz
que Eserval Rocha requereu ao corregedor do CNJ que o pedido de exceção
apresentado por ela fosse rejeitado liminarmente ou que fosse julgada
improcedente por aquele órgão.
Imprensa/Bahia Notícias